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HU terá primeiro programa de acolhimento à vítimas de crime sexual em MS

25 maio 2018 - 19h49

Acolher de forma humanizada, proporcionando atendimento completo, com o intuito de reduzir as sequelas e evitar a revitimização. Estes são os objetivos do Acalento, Programa Multiprofissional de Assistência a Vítimas de Crimes Sexuais, que será lançado terça-feira (29), às 8 horas, no auditório do HU (Hospital Universitário) da Universidade Federal da Grande Dourados, programa inédito em Mato Grosso do Sul.

A iniciativa, que começou a ser idealizada em 2015, possui um formato diferente de todas as ações já instituídas em Mato Grosso do Sul e está saindo oficialmente do papel por meio de parceria entre o hospital e o Governo do Estado, envolvendo ainda a Sejusp (Secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública) através da Polícia Civil, do Núcleo de Medicina Legal de Dourados e da Subsecretaria de Políticas Públicas para as Mulheres.

O HU, que já é a referência para o atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência sexual em Dourados, continuará recebendo os pacientes no Pago (o Pronto Atendimento de Ginecologia e Obstetrícia), como no fluxo em vigência. O diferencial instituído pelo Programa, no entanto, é a otimização da assistência de forma global, pois todo o ciclo de atenção poderá ser feito em um único local: no próprio hospital, sem a necessidade de deslocamentos por parte da vítima.

Desta forma, a vítima será acolhida por profissionais médicos e enfermeiros no Pronto Atendimento do HU, que acionarão a assistência de outros integrantes do grupo multiprofissional, como assistentes sociais, psicólogos e outros médicos especialistas que, porventura, necessitem avaliar o quadro. As vítimas serão, inclusive, atendidas em uma sala especificamente preparada para a finalidade, a “sala lilás”, onde será feita a profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis e a anticoncepção.

Paralelo a esse atendimento, se a vítima (a mulher) ou familiares (da criança) estiverem de acordo, a Polícia Civil será ativada para enviar uma equipe ao hospital, de forma a registrar o Boletim de Ocorrência e requerer as perícias, que serão realizadas também no próprio HU, na UFGD, já que, por meio do Acalento, ele passa a ser um posto médico-legal. Este detalhe é fundamental, pois muitas vítimas não comparecem à delegacia devido à gravidade das lesões e, consequentemente, deixam de denunciar o crime e passar pela coleta de vestígios.

Humanização

Idealizador e coordenador do Programa, o médico legista Guido Vieira Gomes, chefe do Núcleo de Medicina Legal de Dourados e profissional do HU, explica que o atendimento completo no hospital tem grandes vantagens, tanto para o paciente quanto para a equipe multiprofissional envolvida no cuidado, pois reflete sobre a vítima uma sensação de acolhimento e aumenta as chances de resolução do caso, com a punição do autor.

“Essa formatação permite a interação entre os membros do Programa, sendo que a coleta do histórico da violência sexual será realizada por um deles. Desta forma, as informações serão repassadas a todo o grupo, evitando que a vítima reviva o trauma ao ter que relatar diversas vezes, a vários profissionais, os fatos ocorridos”, esclarece.

Outra característica do Programa, além da humanização, é a agilidade que propiciará na coleta de provas, essencial para a confirmação do crime e a determinação da autoria. “Os vestígios físicos não são permanentes, são lábeis, portanto sua coleta deve ser feita de forma ágil”, afirma o médico.

O modelo adotado para a implementação do Programa Acalento surgiu da observação de iniciativas similares e bem sucedidas, existentes em outras unidades de saúde do País. A primeira delas, que deu origem às várias hoje atuantes, foi criada em 2001, no Hospital Pérola Byington, um Centro de Referência da Saúde da Mulher em São Paulo. Denominado Bem-Me-Quer, o projeto rapidamente apresentou aumento no número de atendimentos e, de acordo com os idealizadores, estimula que as vítimas denunciem os crimes.

“Por se tratar de projetos com atendimento diferenciado, voltados ao apoio exclusivo às vítimas, evitando sua exposição durante o conturbado momento pelo qual estão passando e fornecendo apoio e acolhimento, essas iniciativas ajudam em muito a determinação da autoria dos delitos, contribuindo para a prisão do autor e, em vários casos, possibilitando que essa vítima não seja novamente abusada”, aponta Guido.

Capacitar para bem cuidar

Durante os anos em que foi idealizado, o Programa Acalento teve um fluxo definido junto a todos os profissionais integrantes, tanto interna quanto externamente ao HU. Além das parcerias firmadas com a Polícia Civil e o Núcleo de Medicina Legal de Dourados, o programa atuou na capacitação de todos os colaboradores do hospital que têm participação no atendimento a essas vítimas.

Entre 8 e 10 de maio, os últimos alinhamentos junto à equipe assistencial foram feitos, durante as capacitações da equipe de Enfermagem, dos médicos e dos residentes de Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Enfermagem Obstétrica que realizam funções no Pago e no PAP (o Pronto Atendimento Pediátrico). O objetivo, aliás, é que periodicamente sejam feitas reuniões para a discussão dos casos mais complexos.

Contexto alarmante

De acordo com o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2016, 49.497 estupros foram registrados em Boletins de Ocorrência em todo o País. Destes casos, 1.458 foram notificados em Mato Grosso do Sul, resultando numa proporção de 54,4 estupros para cada 100 mil pessoas, a maior taxa do Brasil.

Além disso, foram registradas 166 tentativas de estupro, 6,2% a mais que em 2015, dados que por si só já configuram um contexto alarmante para a região, e que se analisados profundamente revelam uma realidade ainda mais perturbadora quando identificadas as principais vítimas: crianças e adolescentes.

Levantamento feito pelo Ipea (o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base em dados do Sistema de Informações de Agravo de Notificações do Ministério da Saúde, dão conta de que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes, sendo que em metade dos casos há um histórico de abusos, geralmente subnotificados, já que 24,1% dos agressores são pais ou padrastos e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima.

“Os médicos legistas e os outros profissionais envolvidos neste atendimento podem ser a última voz destas mulheres e crianças abusadas sexualmente. Infelizmente, em algumas situações, as vítimas não sobrevivem à violência, porém o trabalho do grupo continua, no sentido de contribuir com o Ministério Público e outros órgãos do Judiciário para interromper a ação dos autores”, conclui o idealizador do Programa.

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