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Apostas movimentam R$ 4,8 trilhões em 2015, e máfia financia as fraudes

18 julho 2016 - 13h02

O mercado de apostas é um verdadeiro gigante, capaz de movimentar verbas de magnitude estatal mundo afora: 1,3 trilhão de euros (R$ 4,8 trilhões) somente em 2015. A internet abriu ainda mais esse mercado, permitindo que usuários residentes em países onde as apostas são proibidas entrem no mundo das probabilidades através de sites baseados onde a lei é favorável. Entre 2009 e junho de 2016, foram detectados por empresas especializadas 2.532 casos suspeitos no planeta. Somente em 2015 foram 524 casos. De acordo com um organograma obtido junto a uma dessas companhias voltadas para fiscalização de fraudes no mercado de apostas, o esquema é muito maior do que se supõe e tem como financiadores pesos-pesados do crime organizado como a máfia italiana e as tríades chinesas.

Os dois personagens mais notórios da manipulação de resultados são de Cingapura e atuavam para diversos grupos criminosos multiplicando seu dinheiro. Ambos estão sob custódia – pelo menos um deles continua na ativa. Wilson Raj Perumal e Tan Seet Eng, conhecido como Dan Tan, já foram condenados por manipulação de resultados. Dan Tan está sob custódia em Cingapura, mas continua a controlar o esquema usando até a esposa e parceiros do crime de Perumal, que está em prisão preventiva em Budapeste, na Hungria, e negocia colaboração em futuras investigações. Ele já foi preso antes em Cingapura e na Finlândia.

Capa do livro de Wilson Raj Perumal (Foto: Reprodução) eprodução da capa do livro de Wilson Raj Perumal cujo site traz vídeos de partidas manipuladas pelo criminoso de Cingapura, hoje sob custória preventiva na Hungria (Foto: Reprodução)

Reprodução da capa do livro de Wilson Raj Perumal cujo site traz vídeos de partidas manipuladas pelo criminoso de Cingapura, hoje sob custória preventiva na Hungria (Foto: Reprodução)

Dan Tan foi preso em outubro de 2013, solto em novembro de 2015 e preso novamente em dezembro. A sua esposa foi presa em junho deste ano sob acusação de ter assumido os negócios do marido. Viciado em apostas, Perumal chegou a se endividar dentro do próprio negócio, com credores e chefes nada amistosos. Em países onde há um alto índice de corrupção de autoridades, usam o dinheiro ilícito para obter proteção e facilitar operações.

Sem muitas opções, Perumal teria deixado o mercado da manipulação para trás, disposto a lucrar com sua história, e chegou a escrever um livro. Uma das revelações é a alegação de ter ajudado a classificar Nigéria e Honduras para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Em uma rara entrevista para a CNN em 2014, ele afirmou ter manipulado entre 80 e 100 partidas de futebol. Disse já ter manipulado resultados em Olimpíada, eliminatórias para Copas do Mundo, Copa Ouro da Concacaf, Copa do Mundo feminina e Copa das Nações, na África.

- Eu ficava no banco de reservas muitas vezes dizendo aos árbitros, jogadores e técnicos o que fazer. Era fácil assim. Não havia vigilância alguma – disse Perumal à CNN em agosto de 2014, completando que algumas associações o recebiam de “braços abertos”.

Mecânica das fraudes e índice de atletas suspeitos

A abordagem é feita por figuras menores na cadeia alimentar do crime. Ex-jogadores que passaram temporadas em zonas onde a manipulação tem muita força, dirigentes, árbitros, qualquer um que esteja razoavelmente familiarizado com o esquema, em uma situação financeira não muito confortável, é um alvo em potencial para aderir ao exército da manipulação. Os locais das fraudes não são escolhidos ao acaso. A combinação pouca visibilidade, baixos salários, falta de fiscalização preventiva e possibilidade de corrupção de autoridades é como sangue em águas infestadas por tubarões. E o Brasil, que reúne essas características em diversos torneios, especialmente locais, entrou no cardápio dos predadores da bola.

Representante da Sport Radar na América Latina e responsável pela atuação da empresa no Brasil, Ricardo Magri explica que o manipulador tenta a todo custo disfarçar a aposta fraudulenta em eventos normais de uma partida. Isso porque não são somente resultados manipulados. A empresa foi contratada pela Federação Paulista de Futebol (FPF) no início do ano e já deflagrou casos no jogos locais.

Há apostas em quem cobra o primeiro lateral, quantos gols serão marcados na partida – sem importar para quem - e por qual diferença de gols será a vitória de uma determinada equipe. Logo, na visão de um manipulador, colocar a aposta durante a partida, logo depois do intervalo, por exemplo, quando o resultado que pretende ainda parecer improvável, é o caminho em tese mais seguro. Quanto mais parecer um evento comum, menor a chance de ser detectado.

"Dan" Tan Seet Eng, um dos figurões da manipulação de resultados, está sob custódia em Cingapura (Foto: Agência AFP)

Empresas como a Sport Radar monitoram as oscilações nas apostas, e uma queda brusca de favoritismo de uma das partes gera imediatamente um alerta, recebido também pelas casas de apostas. Quando vários alertas começam a aparecer, é possível até que as apostas no determinado evento sejam canceladas. Muitas vezes, em uma aposta de maior vulto, os sites levam algum tempo para autorizar, enquanto tentam obter o máximo de indicativos de que aquela aposta é legítima – ou não. Todos esses alertas que aparecem nas mais diversas partidas não se perdem. São somados e contabilizados, gerando um índice de jogadores. Atletas envolvidos em vários jogos com alertas de suspeita de fraude acabam subindo na escala, e isso pode servir de aviso para autoridades locais em caso de transferências de atletas suspeitos.

Questionado sobre Dan Tan e Perumal, Magri explicou:

- De um modo geral, esses dois são nomes muito notórios porque têm o know-how da manipulação, em quem chegar, como chegar, quanto oferecer. Isso não nasce com eles. Recebem investimentos para atuar na área deles, recebem um financiamento de crime organizado, máfia, tríades, é uma parte das atividades de lucro desse pessoal do crime organizado. Quando chega neles, sabem daí para baixo como fazer para promover os resultados que eles querem.

Organograma do sistema de manipulação com base em informações obtidas junto a empresas especializadas (Foto: Editoria de Arte)

A abordagem para cooptar novos membros e aliciadores para o grupo é descrita pelo executivo:

- Eles buscam quem eles conseguem estabelecer um contato e tenha apetite para se envolver. Por exemplo, um jogador que foi atuar naquela região, ficou lá um tempo, viu que a atividade é lucrativa e que poderia se envolver sem muito risco entra logo no radar deles. O jogador é exposto no período lá, e, quando volta, já tem algum passo a mais do que um outro jogador qualquer que encerra a carreira aqui no Brasil.

Magri esclareceu o motivo de ser feito um índice de jogadores supostamente envolvidos em manipulação:

- É um índice porque existem equipes que estão envolvidas nos nossos alarmes com mais frequência do que outras e jogadores que você percebe que, mesmo mudando de time, as equipes que eles jogam seguidamente estão envolvidas nessa situações. Então há um índice para ajudar a interpretar situações futuras.

Indagado se já é possível ter uma noção exata do tamanho do problema no Brasil, Magri respondeu:

- Não muita. Os exames ainda são em lugares muito específicos, e onde estamos examinando estamos achando, então dá para ter ideia de que, se se estenderem esses exames, vão aparecer mais coisas. É o momento certo para analisar, porque até para fugir de lugares mais fiscalizados esses grupos desembarcaram aqui. Penso eu que, há coisa de um ano e meio, dois anos, eles vieram com mais apetite. Se fizermos mais exames ou um retroativo, certamente vão aparecer mais situações.

China, um mercado bilionário

O imenso mercado asiático é não somente o berço, mas também território de atuação das principais máfias de manipulação de resultados no planeta. Grupos organizados na China, por exemplo, não atuam somente fora das suas fronteiras. O mercado interno sofre intenso assédio dos criminosos. Em fevereiro de 2012, 39 pessoas foram condenadas no país por manipulação de resultados, entre eles Yang Yimin, ex-vice-diretor da Associação de Futebol da China, condenado a 10 anos de prisão. Entre os acusados, também estavam o ex-chefe da comissão de árbitros, ex-presidentes e até técnicos de clubes do Campeonato Chinês à época.

Segundo relatos obtidos pela reportagem com pessoas que passaram ou ainda estão em divisões inferiores do futebol chinês, o cenário segue envolto na névoa da manipulação. E pagar altos e volumosos “bichos” em dinheiro foi uma das formas de fazer com que jogadores não se deixem ser subornados.

- Há uns cinco anos, foram presas quase 50 pessoas por conta de venda de jogos, tentaram moralizar o futebol. Mas faz parte da cultura deles. Jogo sujo, como eles chamam. Os jogadores falavam para a gente abertamente, qual time comprava mais os juízes, quem se vendia... – afirmou um brasileiro influente no futebol com passagem recente pelo futebol chinês.

Para evitar que jogadores se vendam para as quadrilhas, uma prática foi confirmada por jogadores e técnicos brasileiros que passaram pela China:

- Na China, eles compram jogadores direto, acerto de jogo, coisa política mesmo. O governante da cidade acerta com o outro para o time não cair, sabe?! Por isso, eles pagam valores altíssimos de bicho, em dinheiro, sem descontar imposto, para que os jogadores não se vendam para o outro time e entreguem o jogo – constata outro brasileiro, que pede anonimato por temer o que chama de “máfia chinesa”.

Muitos dos clubes das divisões do futebol chinês têm receitas irrisórias com o futebol, e o dono só gasta com bilheteria – custeando ingressos para espécie de torcida paga –, o patrocínio na camisa por vezes é da empresa do dono do clube, não existem grandes projetos de marketing, e times da Segunda Divisão, por exemplo, nem vendem camisas nas lojas. Com isso, manipular resultados vira uma fonte de renda ilegal para arrecadar dinheiro, como começa a acontecer em clubes e ligas de menor porte no Brasil.

A China busca acabar com a manipulação de resultados desde 2009, mas a farra de combinações de resultados vem desde o começo dos anos 2000, quando as acusações de suborno de árbitros vieram à tona pela primeira vez.