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Cobertura de resgate é comparada a reality show, diz analista

05 outubro 2010 - 14h51Por Redação Douranews, com Terra

Desde 5 de agosto, quando ocorreu o desabamento que deixou 33 mineiros presos na mina de San José, os meios de comunicação se posicionaram no local e transmitem diariamente os detalhes do resgate e depoimentos de familiares. Dia após dia, relatam os acontecimentos ao vivo do acampamento Esperança, um fenômeno que lembra um reality show e lança dilemas éticos sobre a natureza da cobertura jornalística, segundo especialista ouvido pelo Terra.

 

A polêmica ficou ainda mais evidente a partir da última segunda, depois que o governo admitiu que o resgate será realizado em outubro e não em novembro, como se dizia anteriormente. O fato fez com que a mídia iniciasse desde agora uma cobertura intensa, instalando - no caso das emissoras de TV - estúdios de transmissão no local. O tamanho da cobertura midiática a ser lançada sobre os mineiros e suas famílias será muito grande, pois a imprensa do mundo todo tem interesse em acompanhar uma notícia sem precedentes.

 

Para Mauricio Tolosa, jornalista mestre em Ciências da Comunicação e Informação e consultor internacional, a situação midiática produzida no Chile gera um dilema ético, já que todo o país e o mundo testemunham - através da televisão - o drama dos trabalhadores e de suas famílias, sem perceber o efeito que isso pode ter em suas esferas íntimas, uma vez que estiverem fora da mina. Mas ele também sugere discurtir uma possível censura ou manipulação das informações que o governo fornece.

 

Segundo disse o especialista ao Terra Chile, o caso dos mineiros "tem vários elementos de um show midiático e inclusive pode-se duvidar da transparência ou da intenção de como é construída a história (...) já que há uma narrativa por trás dela". Esse pensamento, afirma Tolosa, baseia-se no fato de que os meios não têm livre acesso às fontes ou às imagens que transmitem porque "há alguém que controla as informações".

 

"Há uma câmera que está apontando para uma cena. Esta câmera tem muitas imagens e, em algum momento, por alguma razão a equipe que está controlando o equipamento edita um material, que é o que você apresenta ao povo. Você seleciona certos fragmentos, algumas cenas", diz o especialista, que também é membro da Orbicom, órgão da Unesco de comunicação.

 

"Não há uma visão aberta sobre o tema, mas uma seleção específica do que eu quero contar, toda seleção tem uma narrativa. Deve-se prestar atenção também para a oportunidade em que ela é entregue. Há uma visão muito política de quando informações são liberadas," ele afirma.

 

Para ilustrar o que poderia ser interpretado como "manipulação" de informações feita pelo governo, Toulouse lembra o que aconteceu nos Estados Unidos durante a administração de George W. Bush. "Cada vez que havia um problema político, se subia o alerta de terror e diminuía a cobertura de outros temas, assim a aprovação do governo aumentava".

 

No âmbito local, quando a greve de fome dos índios Mapuche chegou ao ápice, alguns viram no caso da mina de San José o correspondente do alerta terrorista da administração Bush. "Eu não seria tão contundente ao dizer que há uma manipulação específica sobre o assunto, mas há uma intenção de controlar as oportunidades em que a informação é gerada."

 

Para o jornalista, estamos diante de uma situação midiática e de entrega de informação por parte do governo que merece ser analisada com um olhar crítico, "porque é algo que pode acontecer em muitas outras instâncias. Estamos frente a um fenômeno em que estão nos narrando algo com uma censura muito explícita."

 

Reality show

Outro efeito notado pelo comunicólogo é a pressão midiática que os mineiros vão sofrer quando forem resgatados, que poderá ser semelhante ao que acontece com os participantes de um reality show. "O isolamento é muito mais real do que nos programas e eles (os mineiros), não sabem o que está acontecendo do lado de fora", diz ele.

 

Além disso, se detém na eventual invasão de privacidade que podem estar sofrendo por causa do acidente. "Quando as pessoas entram em um reality show elas aceitam as regras do jogo e estão dispostas a aceitar a exposição de sua privacidade. Neste caso, existe um acordo que diz que eles estão dispostos a expor a sua privacidade." Por isso Maurício Tolosa afirma que, do ponto de vista da comunicação, devemos olhar com mais cuidado a questão dos mineiros.

 

"Enxergamos a situação com a lógica de que tudo é permitido e não nos fazemos algumas perguntas básicas que têm a ver com privacidade, com respeito às pessoas, com o funcionamento dos meios de comunicação, com a transparência da gestão de crise pelo governo, que poderia pensar que com isto possui uma ferramenta de manipulação pública", afirma Tolosa.