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O encontro que não foi combinado

05 outubro 2018 - 21h08

O homem, carregando uma valise, caminhava ligeiro naquela madrugada, pela rua de um bairro na periferia da cidade, não muito distante do cemitério. Tinha em mente pegar a circular três quadras adiante e seguir para a rodoviária, onde embarcaria para a cidade onde morava, em outro Estado.

Encontrava-se ali porque viera visitar um irmão, o caçula da família, que não estava bem de saúde, e agora retornava para casa, onde sua família — esposa e filhos — o esperavam. Pouco sabia do lugar por onde caminhava, a rua deserta e escura sem iluminação pública, o silêncio que o envolvia, despertava-lhe um pressentimento, uma cisma, que o incomodava.

Caminhava pelo meio da rua, porque as calçadas eram irregulares e tomadas por galhos e lixo acumulado. Alguns cachorros latiam à sua passagem, o que obrigava-o caminhar rápido.

Com o pensamento voltado para sua família que o esperava e a lembrança do irmão enfermo que viera visitar e não estava bem; mergulhado na penumbra daquela madrugada e incomodado com os latidos persistentes dos cachorros, de repente viu alguma coisa volumosa no meio da rua. Uma visão extraordinária, que provocou-lhe o arrepio de todos os cabelos do corpo. Seu olhar pareceu-lhe projetar-se até aquela “coisa” e depois, aterrorizado, voltou e escondeu-se nas suas órbitas. Foi tomado por uma tremedeira incontrolável! Imóvel balbuciou o nome de Deus, perguntando-se: — O que poderia ser aquilo?

A valise que trazia caiu no chão, quando um arrepio medonho fez endurecer seu corpo, paralisando seus movimentos e sugando suas forças. Sua mente sincronizada com a visão que se lhe apresentava, confusa e embotada, não conseguia traduzir-lhe o que, realmente enxergava, tomada que estava pelo medo e pelo pavor!

Mas afinal, o que teria surgido diante da visão daquele viandante madrugador, que tão só queria chegar à rodoviária, poucas quadras adiante, para embarcar num ônibus que o levaria de volta para casa. Explicar o inexplicável é difícil para não dizer impossível, porque o que se vê, muitas vezes, são coisas sem nexo, estranhas e inexplicáveis, que fogem à lógica e, racionalmente, falando, não poderiam acontecer! Elas — essas coisas extraordinárias — afloram da escuridão do tempo e mostram-se para serem vistas; para aterrorizar e confundir o ser humano, impingindo-lhe medo, terror e incontrolável tremedeira, o que parece ser a única finalidade desses fenômenos. Eles não são tocáveis e tampouco tocam aqueles que os vêem. Surgem, cumprindo o que parece ser um fadário contra um filho de Deus, e desaparece tão estranhamente como apareceu.

Aterrorizado, imobilizado e trêmulo com os cabelos arrepiados, o viandante madrugador tentou gritar mais de uma vez — não conseguiu! — nenhum som aflorou da sua garganta. Até os cachorros que latiam, silenciaram-se. O homem apavorado e com os nervos à flor da pele, sentiu-se como se estivesse num buraco, envolvido numa capa acústica, que impedia a entrada ou a saída de qualquer som.

A despeito do seu estado de pavor e imobilidade, com a mente confusa e a visão turva, em meio à penumbra da madrugada, agora mais intensa pela chegada de uma neblina intensa, o homem conseguiu distinguir algo que se aproximava, que chegava e chegava cada vez mais próximo. Tentou, com todas as forças afastar-se, novamente gritar, não conseguiu! Não conseguiu emitir nenhum som! Aquela coisa estava mais próxima, muito próxima! Mentalmente perguntou-se: — O que é essa “coisa” que me cerca e atropela-me ? Acuda-me Deus!

Quando parecia que a “coisa” ia, finalmente, tocar-lhe, o que na realidade seria impossível, pelo princípio da lógica, que trata dos objetos concretos e abstratos, um veículo passando nas proximidades iluminou o local, tomado pelas forças do além, tétricas e aterradoras, que torturavam um homem simples, que apenas queria voltar para casa e reencontrar-se com a família. A iluminação do local pelos faróis do veículo, baniu aquela visão extraordinária e tudo voltou ao normal.

A escuridão da madrugada agravada pela neblina, foi-se, dissolveu-se, e o dia, finalmente, nasceu banhando de claridade aquele local, que servira para a aparição tétrica de um ente do outro mundo, que poderia ser mortal, tivesse o evento o concurso de um colapso, provocado pelo medo.

Liberto, o homem pegou sua valise que se encontrava no chão e regressou esbaforido para a casa do seu irmão, onde pretendia contar-lhe o acontecido. Não conseguiu! Sua cunhada aos prantos comunicou-lhe o falecimento do marido vitimado por infarto fulminante! Antes de morrer, ele teria gritado: “—Meu irmão está em perigo! Ajudem-no!”

Existem muitos mistérios, alguns deles revelam-se como prenúncios para algum acontecimento iminente. O evento, irreal e inexplicável quando ocorre, surpreende e aterroriza o cristão abstraído, que caminha solitário. A revelação poderia ser uma ameaça?

* O autor é membro da Academia Douradense de Letras
([email protected])

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