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Opinião

OPINIÃO: A importância dos 70 anos da CLT

01 maio 2013 - 23h03Por Francisco das C. Lima Filho

francisco lima filho opiniao Neste dia em que se comemoram os setenta anos da Consolidação das Leis do Trabalho, necessário refletir sobre o processo histórico de lutas e da conquista de direitos pela classe trabalhadora, para se evitar que equívocos do passado não voltem se repetir.

Com efeito, o devir histórico do trabalho no Brasil revela, impiedosamente, que em cinco séculos, três e meio foram marcados pelo regime da escravidão.

Se até os dias atuais sofremos as dolorosas consequências desse período de intensas discriminações aos negros, o que não sofreram, então, as gerações imediatamente posteriores àquela que negou a sensibilidade e o compromisso de bem-estar à classe de trabalhadora?

Se há um pesar na constatação de que ainda hoje o trabalho do homem é mais valorizado, em termos salariais, do que o da mulher, pior que isso é constatar que o trabalhador negro recebe menos que a mulher branca, ou seja, a minoria se torna maioria quando a comparação se faz pela cor da pele.

Por outro lado, ainda é grande a herança cultural dos (des)valores dessa fase de extremo ócio político e social diante das condições subumanas de trabalho a que foram submetidos milhares de seres humanos escravizados no Brasil.

Mesmo com a abolição da escravatura, em 1888, os resquícios desse tempo de trabalho degradante e desumano alcançaram as fases seguintes da nossa história social e econômica, e mesmo contemporaneamente ainda encontramos aqui e acolá trabalhadores vivendo como escravos, inclusive neste Estado como recentemente foi noticiado pela mídia, o que reforça a necessidade de urgente aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que estabelece a expropriação, sem qualquer tipo de indenização, das terras em que sejam encontrados trabalhadores nessa condição.

Também não se pode desconhecer a discriminação ainda muito presente contra os trabalhadores indígenas, imigrantes e outros integrantes de segmentos historicamente discriminados como os domésticos que apenas agora foram igualados em direitos com os demais trabalhadores, e mesmo assim já se levantam desavisadas vozes advogando que na regulamentação da Emenda Constitucional 72 sejam contemplados com apenas 10% ou 5% da multa alusiva ao FGTS, o que evidencia a existência de um ranço discriminatório contra essa categoria profissional.

Ademais, o processo de industrialização ocorrido no País entre o final do século XIX e início do século XX se desenvolveu ainda sob o espírito do desfavorecimento da classe trabalhadora.

A absorção massificadora de operários pela indústria originou uma série de condições adversas de trabalho com excesso de oferta de mão de obra, que utilizava inclusive o trabalho infantil, jornadas excessivas e baixíssimos salários.

Por não existir, à época, uma legislação trabalhista destinada à regular as relações de trabalho estabelecidas sob aquelas condições, essas relações eram disciplinadas pelos regimentos internos das fábricas, às vezes tão hostis que previam até mesmo castigos físicos aos trabalhadores, fossem adultos ou crianças.

Como resposta a esse estado de coisa - a partir da década de vinte do século passado - começam a surgir as greves no eixo Rio - São Paulo. Movimentos sociais e sindicais de múltiplas categorias profissionais irrompem nas capitais reivindicando a redução da jornada de trabalho, aumentos salariais e melhoria das condições degradantes do ambiente laboral. Porém, essas lutas reivindicatórias foram violentamente reprimidas pelo Estado.

Nesse quadro, pode-se afirmar que a gênese do Direito do Trabalho no Brasil está nessas lutas por melhores condições de trabalho que, somadas às condições internacionais da época, tornaram imperiosa a intervenção do Estado com a edição de normas com caráter protetor daquele que aliena a força laboral, o que levou Clóvis Ramalhete afirmar que “os primeiros indícios do Direito do Trabalho estiveram lavrados na turbulência reprimida das ruas e dos portões de fábricas”.

Com a Revolução de 1930 e Getúlio Vargas no poder, o Direito Laboral começou a ganhar novos contornos, ainda por meio de uma série de normas esparsas. Essas leis nem sempre obedeciam a um plano coerente, resultando num conjunto de regras desconexas e muitas vezes contraditórias.

Com o objetivo de superar essa situação, o então presidente Getúlio Vargas nomeou comissão encarregada de estudar e organizar o anteprojeto de uma norma que unificasse a legislação trabalhista até então produzida, surgindo desse trabalho um texto consolidado que daria origem à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, a conhecida CLT que completará setenta anos.

Essa norma representou e continua representando o reconhecimento do trabalho humano como um valor social que, a par de permitir a sobrevivência do trabalhador, constitui um dos mais importantes instrumentos de dignificação do ser humano. Portanto, o conjunto de normas contido na CLT e em outros diplomas que lhe sucederam, inclusive alguns de origem internacional, muitos deles incorporados pela Constituição de 1988, constitui o Direito do Trabalho que, mais do que um regulador das relações laborais, é um direito social que visa proteger aquilo que Hannah Arendt denomina uma das “mais importantes condições humanas”, na medida em que se revela em espaço da ação política, do exercício da liberdade que só a democracia propicia, na libertação dos trabalhadores. Por isso mesmo nos parece acertada as palavras do Juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior, ao lembrar que “o direito do trabalho pode ser um instrumento para a construção de uma sociedade mais justa, mesmo que forças econômicas afastem leis sociais ou, influenciando a política, façam criar leis anti-sociais, pois o direito é algo que está acima da lei. O direito do trabalho – diz o estimado colega – ademais, não é apenas um direito que se preocupa com a solução de eventuais conflitos surgidos na sociedade, com o mínimo de perturbação social, mas um direito que se preocupa com a realização de condutas”. Por essa razão - digo eu - não pode ser visto apenas com um dos ramos da ciência jurídica, mas, e principalmente, como um instrumento de afirmação da cidadania em um país de regime capitalista, porém balizado pelos valores da democracia que tem na liberdade de empresa e nos valores sociais do trabalho, um claro propósito de igualdade material. Daí a justificação do princípio protetor daquele que aliena a força de trabalho por uma paga, porque na relação de labor subordinado, existe uma ontológica desigualdade material daquele que presta o labor em relação àquele que aufere os frutos desse trabalho e que necessita ser compensada, pois como averba Dalmo Abreu Dallari, “a igualdade jurídica, se imposta onde não há igualdade de fato, é começo de injustiça”.

E esse objetivo de tutela, sem paternalismo, encontra-se evidenciado no conjunto de normas que integram a velha CLT especialmente nos arts. 2º, 444, 468 e 620.

Ao comemorarmos neste 1º de maio os 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT constatamos que na poeira do tempo muitos paradigmas se dissolveram, outros se levantaram, pois as próprias circunstâncias sociais que incitam o surgimento de um direito pressuposto são modificáveis pela ação da norma que delas se originou.

O movimento e o evoluir histórico da sociedade desafia o Direito a todo instante, pois as mudanças sociais, políticas e econômicas em uma sociedade globalizada quase sempre não são acompanhadas pelo Direito que evolui de forma mais lenta até mesmo em virtude de um inegável ranço de conservadorismo que lhe é peculiar. Por conseguinte, as instituições devem estar atentas ao brado da sociedade para compor um Direito aplicável a seu tempo, inclusive pela modernização e atualização da jurisprudência pretoriana, que se deve reconhecer tem se mostrado bastante atenta a esse fenômeno nos últimos anos.

Desse modo, a CLT, cuja importância social e política para a democratização das relações de trabalho é inegável, necessita de ajustes e atualizações que sejam adequadas à realidade das novas formas de trabalho e ao novo modelo de produção pós-industrial, surgidos com o desenvolvimento cientifico e tecnológico dos últimos anos especialmente em face da globalização econômica.

É hora, pois, dos responsáveis por essa atualização – os senhores e senhoras parlamentares – se unirem independentemente de coloração partidária para que sejam aprovados os vários projetos de lei em tramitação no Congresso, inclusive aqueles que dizem respeito ao Processo do Trabalho, de forma a tornar mais efetiva a prestação jurisdicional num âmbito tão sensível como o dos conflitos trabalhistas, pois neles além do drama humano, estão envolvidos direitos de natureza alimentar que necessitam de pronto e imediato atendimento e que as normas ora vigentes já não têm mais o condão de atender em tempo oportuno.

Nesse contexto, a Justiça do Trabalho exerce um relevante papel político-social na composição dos conflitos laborais, contribuindo para a pacificação social de modo a permitir que empresários e empreendedores possam investir com segurança de modo a gerar riqueza e trabalho e por isso mesmo, dando a sua parcela de contribuição para proporcionar àqueles que alienam sua força de trabalho uma vida digna com respeito aos seus legítimos direitos. Afinal, como nos lembra o jurista espanhol Antonio Baylos Grau, há muito a empresa deixou de ser um mero espaço de produção de bens e de prestação de serviços para transformar-se em locus de exercício de direitos e de poderes, como o poder econômico, social e até mesmo o poder político. Esses direitos e poderes devem ser exercidos de forma ponderada, sem abusos, pois tanto empresários como trabalhadores têm direitos e deveres que necessitam de respeito.

Comemorar os setenta anos da CLT neste dia da celebração do Dia do trabalho é motivo de grande jubilo, mas também constitui razão para refletirmos a respeito de algumas propostas “flexibilizadoras” sem as devidas balizas das normas de proteção do trabalho subordinado. 

A Justiça do Trabalho historicamente, desde o seu nascedouro, tem dado a sua parcela de contribuição para a pacificação e a harmonia entre o capital e o trabalho, mas sempre com um especial olhar para aquele que necessita de maior proteção e que é o ator sem o qual, mesmo com todo o desenvolvimento científico e tecnológico nenhum progresso seria possível: o ser humano que trabalha subordinadamente em troca de salário. É ele o destinatário das festividades de hoje.

* O autor e Desembargador Presidente do TRT da 24ª Região