Menu
Buscarquinta, 18 de abril de 2024
(67) 99913-8196
Dourados
20°C
Opinião

Assédio Moral, Convenção 190 da OIT, Fonte de Interpretação

29 outubro 2019 - 15h39Por Francisco das C. Lima Filho

No mundo tecnológico o espaço virtual passa a fazer parte da vida das pessoas, em ambiente de interação instantânea, sem limites de fronteiras, o que permite se alcançar espaços geograficamente distantes sem se ter que sair do lugar, bastando para tanto que se disponha de um computador ou outro aparato eletrônico. Assim, somos inexoravelmente atingidos pela informação, boa ou má, a todo tempo e em qualquer lugar, sem interrupção.

Nesse “novo mundo virtual”, as relações de trabalho não escaparam, pois foram e continuam sendo atingidas pelas novas tecnologias, cada vez mais sofisticadas e invasivas, tendo forte impacto na vida não apenas profissional do trabalhador, mas também em suas relações familiares e pessoais, considerando que o novo modelo de produção, baseado na produção e produtividade, permanece, quando ainda consegue trabalho, permanentemente conectado de modo que possa produzir cada vez mais e com isso atinja e cumpra as metas de produção ditadas pelo empregador, o que termina criando um ambiente de exigências cada vez mais elevado facilitando condutas propensas à violência e de assédio, o que levou a Organização Internacional do Trabalho - OIT a editar na Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 2019 a Convenção 190, a respeito da violência e o assédio no ambiente de trabalho.

O art. 1 da aludida Convenção Internacional se encontra vazado nos seguintes termos:

Artículo 1
A efectos del presente Convenio: a) la expresión «violencia y acoso» en el mundo del trabajo designa un conjunto de comportamientos y prácticas inaceptables, o de amenazas de tales comportamientos y prácticas, ya sea que se manifiesten una sola vez o de manera repetida, que tengan por objeto, que causen o sean susceptibles de causar, un daño físico, psicológico, sexual o económico, e incluye la violencia y el acoso por razón de género, y b) la expresión «violencia y acoso por razón de género» designa la violencia y el acoso que van dirigidos contra las personas por razón de su sexo o género, o que afectan de manera desproporcionada a personas de un sexo o género determinado, e incluye el acoso sexual. 2. Sin perjuicio de lo dispuesto en los apartados a) y b) del párrafo 1 del presente artículo, la violencia y el acoso pueden definirse en la legislación nacional como un concepto único o como conceptos separados (sem grifos no original).

Embora a aludida normativa internacional ainda não tenha sido incorporada ao ordenamento jurídico nacional e, portanto, ainda não esteja em vigor, pode e deve servir de elemento de interpretação, máxime porque firmada pelo Brasil, o que nos termos do art. 5º, § 3º do Texto Maior, tratando-se de norma internacional sobre direitos humanos, de combate a violência, o assédio e discriminação no trabalho, vincula o país independentemente de incorporação ao ordenamento interno.

Assim, a partir do momento em que o Brasil passou a integrar a Organização Internacional do Trabalho – OIT, se obrigou a respeitar e cumprir os princípios fundantes e fundamentais daquela Organização, entre eles, o da proibição da discriminação, um dos mais caros princípios de direitos humanos, que, internamente, também encontra abrigo nos arts. 3º, inciso IV e 5º da Carta de 1988 e na Convenção 111 daquela Organização, incorporada ao ordenamento jurídico nacional, fazendo parte do bloco de constitucionalidade, que o empregador tem o dever de respeitar.

Essas normas de proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, por aplicação da teoria da eficácia horizontal do direitos fundamentais, vinculam não apenas ao Estado, mas também os particulares, inclusive no âmbito das relações laborais, pois como lembra com absoluto acerto a doutrina , quando se trata dos direitos fundamentais dos trabalhadores, não mais se está no terreno meramente contratual, ao contrário, se está no plano da “pessoa” humana existente em cada trabalhador, tendo em vista que, em verdade, a celebração de um contrato de trabalho não resulta na cessão ou privação de direitos inerentes ao ser humano, especialmente aqueles protegidos pela Carta Suprema e nos tratados e normas internacionais de direitos humanos, como são aquelas constantes da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que devem, no mínimo, enquanto não incorporada ao ordenamento jurídico interno, servir de fonte de interpretação, até mesmo em face da teoria do diálogo das fontes, hoje largamente prestigiada tanto pela doutrina como pela jurisprudência, inclusive internacional, considerando, ainda, a grande incidência de condutas assediantes nas relações laborais no atual modelo de produção capitalista, propenso a essa forma da violência no trabalho.

Nesse quadro, com todo respeito, o olhar do intérprete deve levar em consideração essa nova realidade, considerando que infelizmente, até o momento, não se tem, no Brasil, uma legislação especifica a respeito do assédio moral no âmbito das relações laborais.

* O autor é Desembargador do TRT24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24a. Região)