O MPF (Ministério Público Federal) em Dourados ajuizou recurso no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), cuja sede fica em São Paulo, pedindo que seja reconsiderada a ordem de reintegração de posse da fazenda Cambará, em Iguatemi, no sul de Mato Grosso do Sul, emitida pela Justiça Federal de Naviraí. O MPF pede a reforma da decisão que determinou a saída dos índios ou, ao menos, a permanência da comunidade indígena na área ocupada até que sejam concluídos os estudos antropológicos encomendados para determinar a tradicionalidade da ocupação.
Os indígenas ocupam 2 hectares da fazenda, que possui 762 hectares, desde 29 de novembro de 2011, segundo o MPF. De acordo com a assessoria do Ministério, a área ocupada faz parte da reserva de mata nativa, que não pode ser explorada economicamente. “Eles foram para esta área depois de um ataque ocorrido em 23 de agosto de 2011, quando pistoleiros armados investiram contra o grupo, ferindo crianças e idosos e destruindo o acampamento, montado à beira de uma estrada vicinal. Para chegar ao local, os indígenas arriscam-se na travessia de um rio. São 50 metros entre as margens, dois metros de profundidade e forte correnteza, vencidos por mulheres, idosos e crianças através de um fio de arame”, relata o pedido.
O recurso ajuizado na terça-feira (16) ainda não foi julgado. O MPF argumenta que a decisão de 1ª instância não levou em consideração a ocupação tradicional pelos indígenas da área em disputa. A sentença que determinou a reintegração de posse, de 17 de setembro, afirma que “perde qualquer relevância para o deslinde da controvérsia saber se as terras em litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima”. Para a Justiça, o que importa é que no dia 28 de novembro de 2011, a posse da área era do fazendeiro.
Estudo antropológico
Nota técnica da Funai (Fundação Nacional do Índio), publicada em março deste ano, concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá. “Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena , ou seja, a de Amambai, até os anos de 1980 – com forte ênfase na década de 1970 –, o que se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de ocupação indígena, em favor de sua titulação privada” (clique aqui para ler a Nota).
Para o Ministério Público Federal, “afastar a discussão da ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e quando o Estado-juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado”.
O Ministério Público Federal, que é o órgão constitucionalmente responsável pela defesa dos interesses dos povos indígenas, atua em 141 processos que envolvem as etnia guarani e kaiowá. São ações relativas à demarcação de terras, a danos morais coletivos, crimes contra a vida, racismo e até genocídio, que tramitam na Justiça Federal de Dourados, Naviraí e Ponta Porã.
Apesar dos processos, poucos avanços efetivos foram alcançados, diz a assessoria. Nos últimos dez anos, apenas dois mil hectares de terras indígenas foram ocupadas integralmente pelos guarani e kaiowá. “Das terras indígenas ocupadas [Panambizinho e Sucuri'y] apenas a última foi definitivamente julgada em primeira instância”, relata.