Um convênio firmado pelo MPF (Ministério Público Federal) em Mato Grosso do Sul vai permitir que um grupo de historiadores e estudantes universitários passe um “pente-fino” em cerca de 100 mil documentos que dizem respeito ao processo de colonização do Estado, que teve início em 1915 e segue até os dias de hoje.
O principal objetivo do acordo firmado com o Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), de Campo Grande, é catalogar documentos históricos referentes à expulsão dos indígenas e a ocupação dessas terras por colonos e grupos particulares.
O estudo poderá beneficiar os índios sul-mato-grossenses, subsidiando ações judiciais pelo reconhecimento e ampliação de terras indígenas, “uma das principais e mais urgentes demandas dos índios de Mato Grosso do Sul”, conforme afirma o MPF, em nota.
“Trata-se de uma vasta produção documental a respeito do processo de esbulho [expropriação forçada] das terras indígenas”, afirmou à Agência Brasil o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida. Para Delfino, saber o que ocorreu às populações que viviam na região pode ajudar os índios a obterem suas antigas terras.
“Talvez não consigamos responsabilizar criminalmente os responsáveis pela expulsão dos índios, mas além de servir para fundamentar um eventual pedido de indenização, a análise dos documentos servirá para trazer luz à verdade”, diz o procurador
Cerca de 70 mil índios de sete etnias (Kadiwéu, Kinikinawa, Terena, Guató, Atikum, Ofayé-Xavante e os Guarani), estes subdivididos entre os Kaiowá e os Nhandeva vivem, hoje, no Estado, confirma o levantamento do MPF.
Até 1977, quando se desmembrou e conquistou autonomia política, Mato Grosso do Sul fazia parte do Mato Grosso unificado. Nesta época, segundo o MPF, a maior parte das populações indígenas já havia sido retirada à força de suas terras para dar espaço ao avanço da agropecuária.
De acordo com o MPF, foi o próprio Estado quem, a partir do início do século passado, concedeu as áreas para os colonos e confinou as populações indígenas em pequenas reservas.
Entre o acervo que será analisado e catalogado há documentos históricos produzidos pelo antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), depois transformado na Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo Ministério das Relações Exteriores. Há, de acordo com o MPF, 900 horas de entrevistas gravadas com indígenas, material fotográfico, cartográfico, fitas K7, VHS, CDs, DVDs e 58 rolos de microfilmes documentando a criação de reservas indígenas, a retirada dos índios de seus territórios tradicionais e o cotidiano das etnias presentes no território sul-mato-grossense.
A previsão é que a catalogação dos documentos dure 18 meses. O estudo será subsidiado por um fundo gerido pela Justiça Federal de Dourados. Por esse motivo, o projeto ainda depende da aprovação do comitê gestor do fundo judicial, o que o MPF-MS acredita que possa ocorrer até outubro.
Em 2009, a Agência Brasil produziu a série de matérias “Duas realidades sobre o mesmo chão” denunciando as condições precárias de vida de indígenas de Mato Grosso do Sul. Vivendo ao lado de latifúndios prósperos, os índios já aguardavam, à época, uma definição sobre a demarcação dessas terras.