A voz mansa do paulista Luiz Antônio Jarcovis, de 64 anos, embarga quando ele se lembra dos cinco quilômetros que percorria a pé todos os dias com o pai, agricultor "quase analfabeto", até a escola.
"Meu pai e minha mãe eram agricultores e não tinham instrução. Eram praticamente analfabetos. Devo muito a eles", diz, emocionado.
Nascido em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, Jarcovis tornou-se técnico em eletrônica e depois professor de Ciências.
Mas foi no magistério, profissão da qual se aposentou na sexta-feira passada, após 31 anos em atividade, que Jarcovis ganhou reconhecimento.
Não só de seus alunos, mas também das redes sociais ─ um vídeo dele sendo homenageado em seu último dia de aula na Escola Estadual Escola Estadual Almirante Custódio José de Mello, no bairro de Vila Granada, na zona leste de São Paulo, já foi visto, curtido e compartilhado por milhões de brasileiros. Jarcovis era professor do colégio desde 2006.
Homenagem
Nas imagens, Jarcovis é surpreendido por um "corredor de aplausos" de alunos e colegas de trabalho.
"Foi muito emocionante. Sabia que eles gostavam de mim, mas nunca esperaria algo do tipo. Deixou uma certeza de que eu fiz a minha parte. Sempre vou fazer a minha parte. É o que eu sempre falei para eles (alunos) em sala de aula: cada um tem de fazer a sua parte", conta.
"Sempre disse a meus alunos que seria como um pai para eles. E eles seriam meus filhos. Tudo o que eles precisassem, eu estaria à disposição", acrescenta.
Para Jarcovis, ser professor "foi um sonho desde que criança" - um sonho, no entanto, que ele foi forçado a adiar porque teve de começar a trabalhar para ajudar financeiramente os pais (ele passou 22 anos trabalhando como técnico em eletrônica antes de ingressar no magistério).
"Tinha de ajudar minha família e precisei arranjar emprego. Aos 14 anos, já estava trabalhando de carteira assinada", acrescenta.
Inspiração
Nessa trajetória rumo à sala de aula, outro professor lhe serviu de inspiração e deu o apoio - até mesmo financeiro - de que precisava para continuar.
"O nome dele era Edson Souto Ramos. Ele me incentivou demais. Quando estava fazendo o exame de admissão para o antigo ginásio, ele pagou o meu curso e meu material didático. Me emprestou livros. Acabei me espelhando nele para me tornar professor", acrescenta.
Tímido, sem celular ou perfis nas redes sociais, ele se surpreendeu com a repercussão do vídeo.
"E eu querendo me esconder de todo o jeito...é interessante como que isso ocorreu, da gente querer se afastar de toda essa rede e acabar sendo fisgado por ela. Nunca quis ter celular; acho muito desgastante e não me agrada".
Desafios do magistério
Mas Jarcovis admite que nem sempre foi fácil ser professor. Às vezes, por causa da indisciplina dos alunos, pensou em desistir da profissão.
"Tive problemas em outras escolas. Casos de desrespeito ao professor. Alunos andando pela sala, saindo da sala sem permissão e, mesmo depois de serem repreendidos, reclamando. Mas ser professor foi a melhor coisa que eu fiz. Estou muito certo de que cumpri meu papel", afirma.
Ele também menciona a desvalorização do magistério.
"Desvalorização é muito grande. A gente não vê nenhum projeto para minimizar essa questão. Os salários são muito baixos".
"Além disso, há alunos que precisam de uma recuperação muito forte. Às vezes, sem saber nada", completa.
Jarcovis diz ainda que viu uma mudança no perfil dos alunos e da família ao longo dos anos.
"A amizade entre aluno e professor tem ficado cada vez mais difícil. Já as famílias não acompanham mais o estudo dos filhos. A gente percebe que os pais não fazem nada por eles. É claro que não são todos. Tem muitos ainda que pegam no pé".
Ele ressalva que, diante de tantas dificuldades, para ser professor, é preciso "ter amor pelo que faz".
Futuro
Agora aposentado, Jarcovis pretende usar o tempo livre para dedicar-se a uma de suas outras paixões, a fotografia.
"Quero fazer um curso. Me aperfeiçoar", diz.
Ele também planeja "fazer voluntariado para crianças e idosos" e "cuidar de aves".
"Me faz lembrar do interior onde havia uma abundância de aves. Agora, quando aparece uma outra, a gente já fica feliz", conclui.