Escuridão no Capão Alto
Capão Alto, lugar tranquilo para viver, onde o sol ilumina a esperança de futuro. De repente, a tristeza tomou conta na escuridão. Os quero-queros avisaram da presença de estranhos, mas não adiantou e num primeiro de janeiro, o sofrimento começou. O aviso dos sentinelas foi desprezado e coisas estranhas começaram a acontecer. Um vírus chegou na comunidade, sem pedir licença, aterrorizando o lugar e mortos amontoavam-se a cada dia e vivos buscavam vagas em hospitais sem luz.
O poder obscurantista tomou conta do lugar. Com lamparinas em mãos, Capão Alto dividiu-se entre terraplanistas que ridicularizavam Darwin e previam escuridão passageira, na morte do vírus pelo frio ou pelo calor. Gente de pijama, que gosta do escuro, políticos fisiológicos empenhados nas virtudes da escuridão e franco-atiradores acéfalos perdidos, formaram encáustica linha de defesa à falta de luz.
A ciência, bem esta, em noite escura, não sabe nada e só cria problemas. Quanto mais iluminava, mais era contestada, em favor dos obscurantistas, vendedores de velas e donos da eletricidade. Mesmo assim, buscou a verdade numa vacina contra o temido vírus.
O governante da comunidade era um sargento trapalhão, que não deu certo no exército e na política, mas virou oficial em confusões e blindagem da família contra acusações, mergulhando a comunidade nas trevas.
No meio da escuridão vagava um homem, negro, franzino e inteligente, o velho Genésio – emblema dos excluídos na escuridão - com seu lampião se perguntava:
- Onde foi que eu errei?
A quem lhe perguntasse o que buscava ele respondia:
- Um líder equilibrado.
No Capão Alto, a corrupção se escondeu no escuro e, estranhamente deixou de incomodar como antes, embora vista até na luz de um fósforo. Muitos se acharam iluminados e até felizes, no escuro, apostando na ampliação do tempo da escuridão. O comunismo parecia controlado e isso era suficiente ao desdém de “mimimis de pretos, ambientalistas, gays e minorias em geral”, rotulados de inimigos do progresso materialista.
O velho Genésio, na sua experiência de vida, ouviu os quero-queros e sabia que protestos em noite de lua minguante significava estratégia obscurantista. A vacina seria inevitável, assim como aconteceu na gripe espanhola, entre 1918 e 1919, quando milhares de pessoas morreram, só cessando depois da primeira vacina fabricada em 1944. Ou no vírus da aftosa, da peste suína e aviária, que sem vacina obrigatória, os animais morreriam.
– Vacina comunista não, nunca. De chinês já basta o vírus!
A noite parecia eterna. Vacina chinesa, comunista, assim como são muitos produtos do nosso uso pessoal e domiciliar. Capão Alto tem soja, produto comunista e principal força agrícola de exportação – pasmem - para a china. No meio da tempestade, vendo o Brasil cheio de chineses com seus produtos, serviços e dinheiro vindo de lá, uma esperança numa frase do sábio Genésio:
– Não há mal que dure para sempre.
* É Engenheiro Agrônomo, consultor.