O real operou nesta terça-feira, 19, descolado de outras emergentes e ficou com o pior desempenho do dia ante o dólar, considerando uma cesta de 34 divisas mais líquidas. A moeda americana bateu em R$ 5,36 na máxima do dia, com os participantes do mercado preocupados com o lento processo de vacinação no Brasil, agora ameaçado pela falta de insumos para fabricar os medicamentos, a possibilidade de prorrogação do auxílio emergencial e a volta da discussão sobre recriar um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. No mercado de balcão, o dólar spot fechou o dia cotado em R$ 5,3456, com valorização de 0,77%. No mercado futuro, o dólar para fevereiro subiu 1,13%, a R$ 5,3610. A terça-feira foi marcada por uma série de notícias que pressionaram o câmbio e fizeram o risco-País, medido pelo Credit Default Swap (CDS) de 5 anos do Brasil, superar os 170 pontos, no maior nível desde novembro do ano passado. Os estrategistas do Citigroup em Nova York dizem que as vacinas aprovadas até agora no Brasil são suficientes apenas para 1,5% da população brasileira e incertezas permanecem sobre o processo, que é essencial para a retomada da atividade com mais força. Nos Estados Unidos, onde a vacinação ganha fôlego, as internações hospitalares caíram nos últimos 12 dias, observam os analistas do Goldman Sachs. Com isso, abre-se espaço para uma reabertura mais rápida das atividades, o que melhora a perspectiva para a economia, comentam nesta terça-feira. Pela manhã, a Justiça do Amazonas pediu que o governo pague o auxílio emergencial por mais dois meses na região, o que trouxe de volta nas mesas de operação a preocupação com aumento dos gastos fiscais. O lento início do processo de vacinação no Brasil e o crescimento de casos de covid, que não dá sinais de perder o fôlego, faz o mercado se perguntar o que virá primeiro, se a prorrogação do coronavoucher ou a vacinação em massa, destacam os estrategistas do Rabobank, Mauricio Une e Gabriel Santos, em relatório. "A incerteza aqui não dá trégua, é com a vacina, com o fiscal, com a presidência da Câmara", comenta um operador de câmbio. A perda de popularidade do presidente, como mostrada na segunda-feira em pesquisa da XP, pode levar a adoção de medidas populistas, que podem ser vistas como negativas pelo mercado, escreve o estrategista-chefe e sócio da TAG Investimentos, Dan Kawa em sua análise diária. Nos Estados Unidos, o destaque do dia foi o discurso da próxima secretária do Tesouro, Janet Yellen, no Senado. "Os EUA não vão lutar por dólar fraco para ganhar vantagem competitiva", declarou a ex-presidente do Federal Reserve. "O dólar e outras moedas devem ser determinados pelos mercados", ressaltou. Bolsa Apesar do dia positivo em Nova York após o feriado de segunda-feira, 18, por Luther King, o Ibovespa, assim como dólar e juros, refletiu nesta terça a cautela dos investidores em relação ao cenário doméstico, ainda afligido por incertezas sobre a situação fiscal e o encaminhamento da vacinação, em meio a dúvidas quanto à disponibilidade de insumos para a imunização em massa por aqui - dificuldades que podem atrasar o cronograma da vacina e, por consequência, a retomada da economia. Assim, o índice da B3 fechou nesta terça-feira em baixa de 0,50%, a 120.636,39 pontos, com mínima a 119.257,03 e máxima a 122.120,24 pontos. O giro financeiro totalizou R$ 29,8 bilhões. No ano, o índice tem ganho de 1,36%, com avanço de 0,24% nesta semana. "A preocupação fiscal não irá embora até que se tenha, ao menos, a definição para a presidência da Câmara, no início de fevereiro. Também no começo do mês teremos o início da temporada de balanços, com os resultados de bancos, que serão sinais importantes sobre a economia. Há a preocupação sobre a efetividade da vacinação: ainda há calafrios em relação a isso, ao cronograma, se conseguiremos ser tão efetivos como outros países para começar a virar a página da pandemia e iniciar a recuperação econômica", diz Leonardo Milane, economista e sócio da VLG Investimentos. "Assim como na semana passada, tivemos hoje uma realização normal. Eventual extensão do auxílio emergencial causa estresse especialmente nos juros, com o receio de piora fiscal, em situação que já é bem delicada. Não ajudaram também rumores de que a China venha a buscar uma diversificação maior no fornecimento de minério de ferro, o que afeta diretamente a Vale (ON -0,27%)", aponta Pedro Lang, head de renda variável da Valor Investimentos, acrescentando que o setor de siderurgia responde por 15% a 16% do Ibovespa. Maior perda do Ibovespa na sessão, CSN fechou em queda de 5,71%, seguida por Usiminas (-4,71%) e Hapvida (-3,12%). Gerdau PN (-2,95%) e Gerdau Metalúrgica PN (-2,52%) também tiveram ajuste negativo nesta terça-feira. No lado oposto, BTG subiu 3,12%, à frente de Suzano (+3,03%) e Totvs (+2,50%). Entre as blue chips, destaque para Petrobras (PN +2,21% e ON +1,25%), enquanto os grandes bancos, segmento de maior peso no índice, registraram perdas em bloco, entre 1,19% (Itaú PN) e 2,16% (Santander) na sessão. "A queda do minério do ferro (-1,57% em Qingdao, China) provocada pela pressão das margens nas siderúrgicas, que devem reduzir o consumo da commodity, ajuda a explicar o movimento de queda do Ibovespa, que retornou exatamente para a faixa de 120 mil pontos", diz Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora. "Em vista da tendência de alta principal, o retorno para o patamar, que foi o último topo rompido e por onde passa a média móvel exponencial de 21 dias, deve abrir caminho para uma recuperação no curtíssimo prazo (do Ibovespa)." Nesta terça-feira, como pano de fundo para a cautela do mercado, não agradou a retomada do auxílio emergencial na retórica dos candidatos à presidência da Câmara, apesar da promessa de que eventual solução para a continuidade do benefício respeitará o teto de gastos - uma ressalva que ainda não se sabe, na prática, como seria viabilizada. Dessa forma, o dia foi de bolsa em baixa, dólar em alta e juros longos para cima, na véspera da decisão de política monetária do Copom, que pode retirar o forward guidance de seu comunicado, na quarta-feira. Juros Os juros futuros de longo prazo subiram nesta terça-feira, enquanto os curtos ficaram estáveis. A curva ganhou inclinação, influenciada por uma série de fatores que passam pela piora do risco fiscal e político, fluxo de saída no câmbio, IGP-M elevado e compasso de espera pelo comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira. Embora nenhum destes isoladamente tenha sido determinante para justificar a alta das taxas de longo prazo, o conjunto justificou uma postura cautelosa do investidor. Na véspera de decisão da política monetária, a aposta quase consensual se mantinha na manutenção da Selic em 2%, com os agentes atribuindo grandes chances de retirada da orientação futura (forward guidance). O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 encerrou com taxa de 3,240% (regular) e 3,255% (estendida), de 3,266% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2023 fechou com taxas de 4,995% (regular) e 5,025% (estendida), de 4,986% na segunda-feira. A do DI para janeiro de 2025 subiu de 6,455% para 6,49% (regular) e 6,54% (estendida) e a do DI para janeiro de 2027, de 7,084% para 7,12% (regular) e 7,19% (estendida). "O fluxo de saída no câmbio deu uma contaminada nos juros, mas não que não tivesse outros motivos para subir", disse o operador de renda fixa da Terra Investimentos Paulo Nepomuceno. O cenário local é cheio de indefinições. Uma delas é disputa pelo comando da Câmara, cujo vencedor terá o poder de organizar as prioridades na pauta de votação. Caso o deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, vença, a expectativa é de relançamento da CPMF. O imposto, defendido pela Economia, é extremamente impopular e pode dificultar ainda mais a governabilidade. Nesse contexto, os agentes temem pelo futuro das matérias sobre contas públicas e o retorno do pagamento do auxilio emergencial. Também candidato à presidência da Câmara, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) disse que Paulo Guedes deve fazer uma proposta por nova rodada do benefício neste início do ano. O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, vê oportunidade de vendas na ponta curta da curva, que, segundo ele, continua "esticada para cima", para quem aposta em alta moderada da Selic em 2021 inferior à 3,5%. "A elevação dos juros futuros da semana passada já deve ter considerado a retirada do forward guidance", disse. Para a instituição, a Selic deve passar a subir só em maio. Maio também é a previsão para o início do aperto da taxa básica do economista-chefe do ING para a América Latina, Gustavo Rangel. Para ele, o Copom deve retirar forward guidance na quarta-feira, mas "exigirá habilidades retóricas inteligentes" por parte dos diretores para reduzir o impacto sobre a curva a termo. "As autoridades tentarão introduzir uma inclinação hawkish sem gerar expectativas no mercado de um ciclo de aperto antecipado e estendido", disse.