Ao longo da vida, presenciamos cenas que nos marcam para sempre. Uma delas aconteceu logo nos primeiros anos de minha chegada em Brasília como representante do povo sul-mato-grossense. Em 2005, nos primeiros anos daquele mandato, a morte de crianças indígenas por desnutrição na Reserva Indígena de Dourados chocou o país. Presidi uma Comissão Externa que investigou o problema in loco.
Encontramos situações dramáticas, como a da pequena Géria, de dois anos, que pesava apenas cinco quilos. Com muito esforço, apresentamos medidas que ajudaram a conter a tragédia, entre elas a implantação da Vila Olímpica Indígena, em 2011, que será revitalizada em breve.
Desde então, atuamos em diversas frentes para melhorar as condições nas aldeias. Em 2023, depois de um período como titular da Secretaria Estadual de Saúde (de 2019 a 2022) retornei à Câmara e iniciei articulações para resolver problemas estruturais graves, como a falta de água potável, escolas e unidades de saúde.
Levei técnicos dos ministérios da Saúde e da Educação às aldeias. Como resultado, estão previstas duas UBSs, um serviço do SAMU Indígena, uma escola na Aldeia Bororó (R$ 7,7 milhões), duas creches (uma em cada aldeia) e 300 casas populares. Estamos articulando (e tenho certeza de que vamos conseguir!) a implantação de uma padaria comunitária, que possibilitará a geração de renda para as mulheres indígenas.
Outra cena que ao longo de minha vida me chocou sobremaneira, foi ver crianças indígenas douradenses, na faixa dos7 anos, e idosos acima dos 70 anos, tendo que caminhar quilômetros com latas d’água na cabeça, a fim de levar, para casa um pouco de um líquido barrento, possivelmente contaminado por agrotóxicos.
Para combater essa crise de falta de água, viabilizamos, junto com os demais integrantes da bancada federal de Mato Grosso do Sul, uma emenda coletiva no valor de R$ 53 milhões para implantação de uma rede de abastecimento para resolver definitivamente o problema da falta de água na Reserva Indígena douradense.
Porém, como se trata de um complexo que requer alguns meses para sua implantação, enquanto ele não é implantado, destinei recursos (R$ 750 mil de emenda parlamentar individual) para a compra de dois caminhões-pipa, entregues no dia 23, em parceria com o governo estadual, que apresentou contrapartida de igual valor.
Durante a solenidade de entrega, vi nos rostos da comunidade indígena ali presente, um acalento, por comprovarem que algumas ações estão acontecendo, como consequência da luta que eles vêm travando, há anos, por melhores dias. Nada anormal.
No entanto, essa iniciativa (pasmem!) recebeu críticas, exatamente de pessoas que nunca se interessaram sequer de tomar conhecimento dos problemas históricos da comunidade indígena.
Entre elas houve quem, somente depois da nossa iniciativa, “descobriu” o problema histórico da falta de água na Reserva Indígena de Dourados.
Uma dessas expoentes do modernismo retórico-narrativo e midiático, utilizando-se de doses cavalares de ironia, descobriu a roda: “o povo indígena não aguenta mais caminhão pipa”, afirmou, como se ela mesma tivesse, anteriormente, destinado dezenas e dezenas desses veículos para as aldeias de Dourados.
São situações assim que fazem com que nos surpreendamos, todos os dias, com o ser humano. Principalmente com quem, apesar dos relatos estampados cotidianamente na imprensa, nada fez em favor de seus semelhantes. E que quando se depara com alguém que fez, fica com seus cotovelos extremamente doloridos.
* É médico e deputado federal (PSDB-MS)