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Francisco das C. Lima Filho

Os impactos negativos da crise climática e dos incêndios nas relações de trabalho e emprego

30 setembro 2024 - 07h54Por Francisco das C. Lima Filho

“A mudança climática é real, está acontecendo agora mesmo. É a ameaça mais urgente que a nossa espécie precisa enfrentar. Precisamos trabalhar juntos e deixar de procrastinar” (Leonardo DiCaprio)

As mudanças e a crise climática como adverte Leonardo Di Caprio, é real e está acontecendo agora mesmo no mundo e no Brasil ela incide dramaticamente no momento com os incêndios generalizados em praticamente todo o pais, fruto de uma seca, talvez a mais grave dos últimos cem anos, que dizima as florestas e a fauna, secando de rios até então caudalosos com a destruição de biomas indispensáveis para vida como a floresta amazônica, o pantanal e o cerrado brasileiros.

Essas mudanças climáticas, são, sem dúvida, um dos mais importantes desafios que estamos enfrentando e teremos de enfrentar não apenas no Brasil, mas a nível global e certamente provocarão não apenas migrações internas e internacionais, mas também repercussões negativas no âmbito do trabalho nos próximos anos, podendo causar desemprego e fome.

A Organização Internacional do Trabalho – OIT adverte que esse fenômeno – crise climática -  vem produzindo a curto, médio e longo prazo, graves problemas na atividade econômica e social em muitos setores em todos os continentes[2], sem falar da crise migratória que costuma ser uma das principais consequências desse tipo de crise - digo eu. 

De fato, diversas causas podem estar associadas a esses deslocamentos – migrações - como a busca por trabalho, melhor colocação profissional e melhores condições de vida; desastres naturais e situações climáticas extremas como a que o Brasil enfrenta no momento; crises políticas e socioeconômicas; e perseguições étnicas e religiosa, entre outras.

De fato, Organização Internacional para as Migrações (OIM)[3] afirma que nas últimas três décadas triplicaram as secas e inundações e as mudanças do meio ambiente provocaram movimento de migrações superiores àqueles causados por conflitos bélicos.

De acordo com documento do Banco Mundial, a escala das migrações internas nos países provocada por impactos climáticos será maior nas regiões mais pobres e vulneráveis a essas mudanças certamente atingirão muitas pessoas que vivem nas atingidas pela crise climática, e as mais afetadas por esses movimentos migratórios internos e mesmo internacional, seriam a África subsaariana, que poderia ver até oitenta e seis milhões de pessoas em movimento, seguida pelo leste da Ásia o do Pacífico, com quarenta e nove milhões, o sul da Ásia com cerca de quarenta milhões; norte da África, com dezenove milhões; a América Latina, em torno de dezessete milhões; Europa do Leste e Ásia Central, com cinco milhões, a evidenciar a gravidade dos problemas gerados pela crise climática que têm forte impacto nos movimentos migratórios forçados, interna e externamente. 

Nos termos dos dados da ONU[4], mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos foram registrados em 2020 devido a desastres relacionados ao clima. 

Os desastres ambientais provocaram três vezes mais deslocamentos do que conflitos e violência. Eles também acentuam tensões que podem impulsionar novos conflitos e aumentar a pobreza no mundo. 

Na COP26[5] que aconteceu na Escócia, a Agência da ONU para Refugiados, o ACNUR, chamou atenção para a relação entre deslocamento e o clima e pediu a líderes mundiais que ajudem as comunidades e governos que enfrentam os piores impactos das mudanças climáticas. Também não se pode esquecer que em razão da crise climática, especialmente da falta de água, existem os conflitos entre países em busca desse precioso liquido.

O Brasil, que sediará a próxima COOP, está sendo neste ano de 2024 por uma severa e perigosa crise climática, como ocorreu com as enchentes no primeiro semestre que praticamente alegou todo o Estado do Rio Grande do Sul, uma verdadeira tragédia humana que deixou mortes e milhares de desabrigados além de grandes prejuízos materiais, despertando um sentimento de solidariedade impressionante em todo o País que, infelizmente não se ver agora no caso dos incêndios que atingem praticamente todo o Pais.

Há tempos os especialistas, vêm alertando as autoridades para a crise climática e seus efeitos negativos se não catastróficos, ao redor do mundo, tema discutido desde a Conferência de Estocolmo em 1972, realizada com o objetivo de se discutir os impactos diretos que a industrialização provocou no meio ambiente até então, colocando a ação humana como uma das principais causas da degradação da natureza, e nomeadamente a partir da Eco 92 no Rio de Janeiro  - Brasil[6], mas cujos alertas dos estudiosos do clima, lamentavelmente não têm sido ouvidos ou levados em consideração como deveriam, e praticamente não se adotaram medidas para prevenir os incêndios a apenas quando estes destroem florestas, propriedades de vidas, é que os Governos nas três esferas de poder entram em cena para literalmente tentar “apagar os incêndios” depois das destruições que causam, esquecendo-se ou preferindo não lembrar que:

A proteção do meio ambiente em um mundo globalizado requer uma abordagem holística e integrada, que leve em consideração a interdependência entre nações, ecossistemas e economias[7].

Assim, necessário que os governos, federal, estaduais e municipais, atuais e futuros, se conscientizem da urgente necessidade de adotar medidas preventivas que evitem que esse fenômeno devastador – incêndios - venha se repetir nas crises de seca que certamente virão nos próximos anos. Aliás, vale aqui um registro, que pelo menos do que tenho visto e ouvido da propaganda eleitoral no Mato Grosso do Sul, esse é um tema ou problema não se encontra no radar das preocupações dos pretendentes às Prefeituras e às Câmaras Municipais, pelo menos não os vejo abordar em suas propagandas eleitorais como deveriam, e que, com certeza terá forte e imediata repercussão negativa nas administrações locais. 

Para Fernanda de Morais[8], são exemplos de soluções possíveis ou pelo menos de mitigação dos efeitos da crise climática:

Transição para Energias Renováveis: A redução das emissões de gases de efeito estufa e a mitigação das mudanças climáticas dependem da transição para fontes de energia renováveis.

Conservação e Restauração de Ecossistemas: A conservação e a restauração de ecossistemas desempenham um papel crucial na proteção do meio ambiente e na preservação da biodiversidade. É necessário estabelecer áreas protegidas, como parques nacionais e reservas naturais, para garantir a preservação de habitats importantes.

Economia Circular: A transição de uma economia linear para uma economia circular é uma solução promissora para a proteção do meio ambiente. A economia circular busca minimizar o desperdício e maximizar a reutilização, reciclagem e recuperação de materiais.

Educação e Conscientização ambiental: A educação e a conscientização ambiental são fundamentais para promover a mudança de mentalidade e comportamento em direção à sustentabilidade, os resultados a longo prazo com a prática de conscientização ambiental podem ser excelentes.

Mais que isso, penso ser necessário e urgente, conscientizar toda a sociedade quanto ao dever de preservar e proteger o meio ambiente – o planeta terra  com um todo – antes de termos a pretensão de conquistar outros planetas, pois é aqui na terra que vivemos e viverão as futuras gerações, e para tanto precisamos preservá-la protegendo as florestas e os rios, os lagos, o meio ambiente holisticamente considerado, pois como disse com marcada sabedoria o líder indígena Davi Copenawa “se a floresta acabar, não vai ter chuva e sem chuva não tem o que beber, nem o que comer” e como consequência – digo eu – estará comprometida a vida das próximas gerações para quem temos o dever de deixar um planeta sadio e saudável (art. 225 da Constituição de 1988[9]. Por isso, acertadas também as palavras de Eduardo Sjanes Cezimbra[10], ao afirmar e alertar:

E é bom lembrar também que se não temos um deserto imenso na América do Sul, que abrangeria o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires, de São Paulo aos Andes é graças aos rios voadores que a Floresta Amazônica forma todos os dias através de suas árvores, “bombas de água” e de partículas, trazendo chuva sobre a região que concentra 70% do PIB da América do Sul.

E a destruição das florestas e a contaminação e a seca dos rios, dos lagos, enfim, em nome do progresso tem um preço muito alto: a crise climática que provoca desastres ambientais de difícil ou impossível controle pelo homem, caracterizando o que  a doutrina[11] chama de “terceiro tempo” do risco, a fase atual em que vivemos, que é marcada pelo risco enorme e catastrófico, irreversível, mais ou menos previsível, que frustra nossas capacidades de prevenção e de domínio, levando desta vez, a incerteza para o centro de nossos saberes e poderes. Por conseguinte, precisamos repensar o modelo de desenvolvimento, de planejamento urbano, com a implementação de políticas públicas que permitam e incentivem o uso racional dos recursos naturais, especialmente da água, a fim de prevenir ou pelo menos minimizar tragédias decorrentes das mudanças  climáticas como as secas e os incêndios que estamos enfrentando no Brasil no momento e as enchentes como que enfrentou o Estado do Rio Grande do Sul no primeiro semestre deste ano de 2024.

Mas é claro que os efeitos negativos da crise climática, nomeadamente da seca dos rios e dos incêndios, não têm repercussão apenas no meio ambiente e na saúde das pessoas e dos animais, mas também trará impactos na agricultura e em outras atividades produtivas, afetando de forma imediata o emprego e a renda dos trabalhadores, pois muitos poderão ser obrigados a migrar para outras regiões à procura de trabalho e condições de sobrevivência.

De acordo com Henar Álvarez Cuesta[12], professora Titular de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Universidad de León - Espanha, os principais efeitos negativos da crise climática nas relações de trabalho, das mudanças climáticas e o aumento da frequência e intensidade dos fenômenos meteorológicos extremos vão afetar e já estão afetando – digo eu - os rendimentos das colheitas e a gestão de ganho e influirão na escolha de lugares dedicados a produção, o que, com certeza, implicará em migração de mão de obra e em desemprego para muitos trabalhadores, evidentemente.

Ademais, o aquecimento global provocará efeito direto tanto na oferta como a demanda de energia encarecendo-a, como ocorre no momento no Brasil, pela baixa preocupante dos reservatórios de água nas usinas de produção de energia, com algumas desativando parte de suas turbinas, o que também, é claro, implica em redução do nível de emprego e no próprio fornecimento de água para a população, especialmente nos grandes centros urbanos.

No setor de turismo, adverte a professora Henar Álvarez, o aumento das temperaturas em zonas por si mesmas mais quentes poderá levar ao desapercimento ou pelo menos à drástica redução da atividade turista que produz muitas divisas para alguns países, como o Brasil, especialmente na Amazônia, Pantanal e Nordeste, que serão fortemente afetados pela redução dessa importante atividade econômica, não se vendo nenhuma iniciativa ou estudo concreto nesse sentido para amenizar os efeitos negativos da crise climática que poderá trazer e certamente e já traz para esse importante setor da economia.

Tudo isso, pode impactar e certamente está impactando negativamente a atividade econômica das diversas regiões do Brasil, na produção de bens e serviços, com perda de lavouras e investimos e que trará consequências extremamente negativas no mercado de trabalho com perda de emprego ou pele menos redução drásticas no nível deste e, como consequência, na arrecadação de tributos pelo Estado faltando recursos para investimentos na educação, no saneamento básico, na saúde e outras políticas públicas. 

E mais, as populações vulneráveis serão as mais afetadas, como os povos indígenas e tribais que podem não ter sequer condições em se manterem em suas regiões ou aldeias em que têm preservadas sua cultura, práticas e costumes, podendo serem obrigados a migrar para outras regiões a procura de trabalho e renda.

Nesse quadro, não se pode negar que a crise climática e mais precisamente, no Brasil, os incêndios generalizados deste semestre, poderão causar sérios problemas sociais para os atuais e futuros gestores públicos e por isso mesmo, devem repensar e adequar seus programas de governo para poderem enfrentar esses e muitos outros desafios com os quais terão que lidar imediatamente, mas não apenas estes, mas também os administradores de empresas privadas que igualmente podem ficar sem matéria prima para a indústria e com isso, enfrentar crise grave de gestão de recursos e, inclusive, de pessoas.

Nesse novo, preocupante e previsível quadro, é hora não apenas de contratar brigadista para “apagar incêndios”, mas também planejar e executar desde logo, políticas públicas para amenizar esses graves problemas que esses fenômenos naturais estão trazendo para o Brasil e para o mundo.

Mãos à obra.

* 'E Mestre e doutor em Direito Social na Universidad Catalla-la Mancha - UCLM – ESPANHA. Desembargador Diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região

[2] “A mudança climática não reconhece fronteiras, e não podemos construir um muro para manter a crise fora. A crise climática afeta a todos nós e representa a única e mais grave ameaça à justiça social hoje. Muitos dos países que estão enfrentando as consequências mais brutais desta crise estão particularmente mal equipados para lidar com suas consequências ambientais e de subsistência. Devemos reconhecer que o que acontece com as comunidades impactadas afetará a todos nós", afirmou o Diretor-geral da OIT, Gilbert F. Houngbo, na apresentação do Relatório Mundial de Proteção Social 2024 a 2026, sobre proteção social universal para ação climática e uma transição justa. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br>. Acesso em 29.9.2024.

[3] Disponível em: <https://www.un.org/es>.  Acesso em 29.9.2024.

 [4] LIMA FILHO, Francisco das C. et al. Migrações e Movimentos Forçados de Pessoas em Virtude do Fenômeno Climático e de Guerras. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Campo Grande – MS; n. 8, ano 2023, p. 41 e seguintes.  

[5] A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26) é um importante evento que reúne dirigentes de todos os países do mundo com vista a chegar a acordo sobre a forma de intensificar a ação a nível mundial para resolver a crise climática.

[6] Na verdade, desde 1972, quando foi realizada a Conferência de Estocolmo com o objetivo de conscientizar a sociedade a melhorar a relação com o meio ambiente e assim atender as necessidades da população presente sem comprometer as gerações futuras.

[7] MORAES, Fernanda de. Os Desafios da Proteção do Meio Ambiente em um Mundo Globalizado, Disponível em: <https://idpgraduacao.idp.edu.br>. Acesso em 29.6.2024.

[8] MORAES, Fernanda de. Os Desafios da Proteção do Meio Ambiente em um Mundo Globalizado, Disponível em: <https://idpgraduacao.idp.edu.br>. Acesso em 29.9.2024.

[9] CF. “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[10] Disponível em: <https://educezimbra.wordpress.com>. Acesso em 29.9.2024.

[11] OST, François. Le temps du droit. Paris: Editions Odile Jacob, 1999, p. 324-5; EWALD, François. Philosophie de la précaution. L’Année sociologique, Paris, n. 2, v. 46, p. 42, 1996.
 

[12] CUESTA, Henar Álvarez. Los efectos del cambio climático en el trabajo. Disponível em: <https://theconversation.com>. Acesso em 29.9.2024.