Duas propostas que tramitam no Senado podem resgatar o conteúdo original do pacote de dez medidas anticorrupção proposto pelo Ministério Público e que contou com o apoio de mais de 2 milhões de pessoas.
Em novembro do ano passado, a Câmara analisou o pacote e, ao votar o projeto no plenário, os deputados desfiguraram as propostas, aprovando, por exemplo, punições a juízes e a integrantes do MP.
Duas semanas após a votação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou que o projeto, já no Senado, fosse devolvido à Câmara e a tramitação começasse do zero.
Para o ministro, o pacote deveria ter tramitado como proposta de iniciativa popular, que tem rito próprio.
No entanto, como a Câmara diz não ter as condições necessárias para validar as assinaturas de apoio ao texto (mais de 2 milhões), o projeto foi "adotado" e reapresentado por um deputado e tramitou como uma proposta comum.
O texto foi devolvido pelo Senado à Câmara na semana passada, e, como o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se comprometeu a checar as assinaturas, o processo no Supremo foi extinto.
A Câmara, contudo, vai somente validar as assinaturas, sem reanalisar o conteúdo do texto. Portanto, após a checagem das assinaturas, o texto desfigurado seguirá diretamente para o Senado.
Os projetos no Senado
O projeto 147/2016, do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), apresenta o conteúdo original do pacote proposto pelo MP. Atualmente, o texto está na CCJ, mas ainda não foi designado um relator para dar andamento.
Já Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou 19 propostas que, juntas, formam o texto original elaborado pelo Ministério Público.
Randolfe explicou que decidiu apresentar as propostas no Senado após se reunir com representantes do MP. "São caminhos diferentes de se chegar ao mesmo lugar", afirmou.
"Pela tradição do Congresso, eu imaginava que esse pacote teria dificuldades para tramitar. A tradição do Congresso é avessa a projetos anticorrupção. E, pela minha experiência, é bom tramitar nas duas Casas, pois um projeto pode emperrar em uma delas", acrescentou o senador.
Assim como o projeto de Ataídes, todas as propostas de Randolfe estão na CCJ. Ricardo Ferraço (PSDB-ES) chegou a ser relator de quatro dos 19 projetos, mas, como ficou de fora da composição de 2017 da comissão, as propostas estão atualmente sem relatoria.
Além disso, o senador Lasier Martins (PSD-RS) apresentou, enquanto o texto desfigurado pela Câmara estava no Senado, emendas para que o pacote original fosse retomado.
Pacote do MP
Veja o que propôs o Ministério Público no pacote anticorrupção:
Maior transparência para Judiciário e MP
Regras para prestação de contas por parte de tribunais e procuradorias, além de investimento mínimo em publicidade de combate à corrupção, com ações de conscientização e educação;
Testes de integridade: um agente público disfarçado poderá oferecer propina para uma autoridade suspeita; se ela aceitar, poderá ser punida na esfera administrativa, penal e cível;
Manter em segredo a identidade de um delator que colaborar com as investigações, dando maior segurança ao informante.
Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
Posse de recursos sem origem comprovada e incompatível com a renda do servidor se tornaria crime, com pena de 3 a 8 anos de prisão.
Crime hediondo para corrupção de altos valores e aumento de penas
Punição mínima por corrupção (recebimento de vantagem indevida em troca de favor) passaria de 2 para 4 anos de prisão. Aumenta também o prazo de prescrição (quando se perde o direito de punir), que passaria de 4 para 8 anos;
Quanto maior o volume de dinheiro envolvido, maior a pena. Até R$ 80 mil, pena varia de 4 a 12 anos. Se a propina passar de R$ 80 mil, pena será de 7 a 15 anos. Se for maior que R$ 800 mil, prisão será de 10 a 18 anos. Caso seja superior a R$ 8 milhões, punição será de 12 a 25 anos de prisão.
Eficiência dos recursos no processo penal
Trânsito em julgado (declarar a decisão definitiva) quando o recurso apresentado for protelatório ou for caracterizado abusivo o direito de recorrer;
Mudança nas regras para apresentação de contrarrazões em segunda instância, revogação dos embargos infringentes, extinção da revisão do voto do relator no julgamento da apelação, mudança na regra dos embargos de declaração, do recurso extraordinário e dos habeas corpus em diversos dispositivos;
Possibilidade de execução provisória da pena após o julgamento na instância superior.
Celeridade nas ações cíveis de improbidade administrativa
Acaba com fase preliminar da ação de improbidade administrativa e prevê agravo retido contra decisão que receber a ação;
Criação de turmas, câmaras e varas especializadas no âmbito do Poder Judiciário;
Instituição do acordo de leniência para processos de improbidade administrativa – atualmente existente apenas em processos penais, na forma de delação premiada; e administrativos, na apuração dos próprios órgãos públicos;
Reforma do sistema de prescrição penal
Fim da “prescrição retroativa”: pela qual o juiz aplica a sentença ao final, mas o prazo é projetado para o passado a partir do recebimento da denúncia.
Ajustes nas nulidades penais
Restringir as nulidades processuais a casos em que são necessários;
Introduzir o balanço de custos e benefícios na anulação de um processo.
Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2
Responsabilidade objetiva dos partidos políticos pelo caixa 2. Com isso, o partido poderá ser punido mesmo se não ficar provada culpa do dirigente partidário, mas ficar comprovado que a legenda recebeu recursos não declarados à Justiça Eleitoral;
Quanto mais grave, maior a punição: além de multas maiores, o partido poderá também ter o funcionamento suspenso se for reincidente ou mesmo ter o registro cancelado.
Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado
Possibilidade de prisão preventiva (antes da condenação, por tempo indeterminado), caso se comprove que o suspeito mantenha recursos fora do país.
Recuperação do lucro derivado do crime
Confisco alargado: obriga o criminoso a devolver todo o dinheiro que possui em sua conta, exceto recursos que comprovar terem origem lícita;
Ação civil de extinção de domínio: possibilita recuperar bens de origem ilícita, mesmo que não haja a responsabilização do autor do fato ilícito, em caso de morte ou prescrição, por exemplo.