Sua condução ao Legislativo municipal não é apenas um marco histórico para os Guarani Cauiá, Ñandeva e Terena residentes nas aldeias Bororó, Jaguapiru e Panambizinho. Além da representação indígena na Casa de Leis, também deve por fim a uma prática espúria que é marca registrada de alguns políticos do Estado, sobretudo os pseudo-esquerdistas e populistas.
São indivíduos que tradicionalmente colhem polpudos dividendos eleitorais em meio às populações vulneráveis. Em geral assistencialistas, aproveitam-se da miséria para comprar votos. Queiramos ou não, a comunidade indígena é um exemplo claro disso. Confinada em verdadeiros guetos, como costumam afirmar os especialistas, fica à margem da sociedade e torna-se um prato cheio nas mãos de inescrupulosos agentes públicos.
Neste sentido, a eleição de um índio à Câmara – representante direto de seus iguais - surge como uma oportunidade de fechar a porta para a entrada desses aproveitadores no poder público. No pleito deste ano tivemos a primeira mostra do quanto o poder de organização de populações marginalizadas pode enfraquecer o oportunismo barato.
Isso fica evidente quando analisamos alguns dados obtidos junto ao TRE-MS (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul). Segundo a corte, a Reserva Indígena de Dourados – criada em 1925 – congregava 5.598 pessoas aptas a votar nesta eleição (divididos em quatro escolas municipais: Pedro Palhano, Tengatui Marangatu, Indígena Araporã, e Indígena Ramão Martins). Em outras épocas, esse era um reduto dominado pelos tais oportunistas, habituados a obter votações expressivas.
Mas o cenário mudou. Nessas 18 seções eleitorais localizadas dentro do Território Indígena, Aguilera obteve 1.244 votos (87,66% dos 1.419 que computou ao todo). Em todas essas urnas, apenas em duas não foi o mais votado. E mesmo nesses casos a liderança ficou nas mãos de outro indígena, o advogado Wilson Matos. Em todas elas, o não índio mais bem colocado (normalmente bem votado na localidade) oscilou entre o terceiro e quarto lugares, com duas únicas passagens pela segunda colocação.
Com a iniciativa de votar em representantes legítimos, esse eleitorado não só elegeu alguém da própria Reserva (Aguilera reside na Aldeia Jaguapiru e vivencia as dificuldades locais), como também esvaziou o coeficiente eleitoral dos pseudo-esquerdistas e populistas oportunistas. O benefício, portanto, se estende a toda população douradense, que tende a deixar de ter entre os representantes políticos gente que vive das mazelas alheias.
Esse resultado demonstra não apenas que os índios de Dourados podem livrar-se por conta própria de gestores públicos aproveitadores, mas apresenta-lhes a oportunidade de decidir os próprios rumos. A eleição de Aguilera não mudou a realidade desses indígenas, que em grande parte continuam vulneráveis ao assistencialismo. Contudo, o mandato do professor Guarani Ñandeva pode selar um novo modelo político na Reserva.
Se houver aprovação por parte da comunidade, pode ser que peguem gosto pela coisa. Aí sim, aqueles que nunca fizeram nada em seu benefício acostumados ao voto de última hora – condicionado a compensação financeira – vão perder de vez um manancial de votos.
Em outros municípios sul-mato-grossenses, como Caarapó e Japorã, já existem índios nos Legislativos. Continuada essa mudança de consciência, o impacto político eleitoral pode ir para outra esfera. No Estado com a segunda maior população indígena do País (mais de 70 mil), não será surpresa surgirem deputados estaduais oriundos dessas comunidades tradicionais. Isso será o começo de uma nova era para uns e o fim para outros.
* O autor é jornalista