Em meio à crise, os brasileiros tiveram de reaprender a passar a limpo os gastos para identificar distorções no orçamento que podem acabar levando a família ao buraco financeiro. No governo federal, não foi diferente. E, assim como ocorre em casa, quando os gastos totais vieram à tona, algumas surpresas surgiram de onde menos se esperava. O governo descobriu, por exemplo, que uma entidade pública homologou a compra de alguns preservativos por R$ 69 a unidade.
Ontem, em uma farmácia na região central de Brasília, a camisinha mais cara na prateleira — vendida como “o preservativo mais fino do Brasil” — custava R$ 14,45 a unidade, em um pacote com duas. Contudo, não era difícil encontrar pacotes com oito cujo preço unitário ficava abaixo de R$ 1, de um modelo similar daqueles adquiridos pelo governo para serem distribuídos em postos de saúde e hospitais.
A revelação surgiu das verificações iniciais do Painel de Preços da Administração Pública, uma nova ferramenta em fase final de elaboração pelo Ministério do Planejamento. Esse sistema traz dados e informações de compras públicas homologadas no Comprasnet, a central de licitações do governo. Como é alimentado pelos funcionários dos órgãos, porém, o sistema está passível a erros de digitação e de enquadramento, mas o governo estuda como validar esses dados antes de inseri-los no painel.
O painel de preços é uma variação do portal de compras, que já inclui dados agregados de compras de cerca de R$ 100 milhões por ano. Para uma parcela dessas aquisições, o portal vai revelar dados exatos de cada uma das aquisições. O sistema vai mostrar, por exemplo, quais entidades compraram sorvete Haagen Dazs ou demais artigos de luxo e quanto se paga por eles. O portal também revela os principais produtos adquiridos pelo governo por licitações. São eles: água, café, cola, papel, açúcar e caneta.
Segundo fontes do governo, a transparência desses dados vai guiar os próprios órgãos públicos em licitações e apontar se estão pagando muito acima do mercado. Também entidades municipais e estaduais poderão se valer desses dados para balizar suas compras. O portal, elaborado pela Secretaria de Gestão, foi apresentado ao ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, na semana passada.
Com o banco de todas as compras já homologadas pela administração pública, os gestores poderão mais facilmente definir os tetos de produtos e serviços, além de reduzir riscos sobre os preços praticados em licitações, uma vez que a cotação será realizada automaticamente, com base nas compras já realizadas.
Os dados indicam apenas as compras homologadas e não aquelas efetivamente realizadas. Mas, mesmo assim, esses dados podem auxiliar órgãos de controle na descoberta de fraudes. O próprio Planejamento já vem investindo em softwares para desvendar distorções, inclusive comparando os preços apontados com aqueles declarados à Receita Federal.
Por exemplo, se determinado órgão homologar a compra de café a preços muito acima da média dos demais, um alerta deverá surgir no sistema muito antes de ele ser servido.