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Cobranças sobre terrenos de marinha são contestadas

27 outubro 2016 - 16h08

Quase 500 mil imóveis no país são classificados como terrenos de marinha. A informação é da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), responsável pela demarcação desses terrenos. A SPU registra 270.929 responsáveis únicos cadastrados, tanto pessoas físicas quanto jurídicas.

De acordo com o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), cerca de 10 milhões de brasileiros vivem em terrenos de marinha. Ferraço foi o relator do projeto aprovado no ano passado (PLC 12/2015), que deu origem à lei que trata dos terrenos de marinha (Lei 13.139/2015).

O senador destaca que a lei simplifica os processos, reduz os encargos e torna mais transparente e mais justo o instituto dos terrenos de marinha. Ele lamenta, no entanto, que vetos do governo tenham impedido maior redução no valor pago pelos posseiros.

Para se ter uma ideia do alcance da legislação sobre o tema, cerca de 240 municípios brasileiros têm terrenos de marinha. As populações de municípios com sede em ilhas costeiras e oceânicas, como Florianópolis, São Luís e Vitória, ainda têm de pagar taxas por isso.

Dois terços do território da capital do Espírito Santo, segundo Ferraço, são considerados terrenos de marinha, o que obriga mais de 70 mil de seus moradores a pagar não só impostos municipais, como também as taxas cobradas pelo governo federal. Para ele, isso é um absurdo e uma apropriação indébita.

Conceito

Os terrenos de marinha são terras da União no litoral, situados entre a linha imaginária da média das marés registrada no ano de 1831 e 33 metros para o interior do continente. É uma faixa costeira considerada estratégica pelo governo. Também são consideradas nessa condição as margens de rios e lagoas que sofrem influência das marés.

Apesar do nome, terrenos de marinha nada têm a ver com a força armada Marinha. São determinados por estudos técnicos, com base em plantas, mapas e documentos históricos.

O conceito foi instituído ainda no tempo do Império, com a vinda de Dom João VI e da família real. As terras eram destinadas à instalação de fortificações de defesa contra invasões marítimas. A medida de 15 braças, equivalente a 33 metros, era considerada a largura suficiente para permitir o livre deslocamento de um pelotão militar na orla e assegurar o livre trânsito para qualquer incidente do serviço do rei e defesa do país.

Também era um espaço estratégico para o serviço de pesca, já que era uma faixa onde os pescadores puxavam as redes.

Taxas e recursos

Quem vive nos imóveis em terrenos de marinha é obrigado a pagar o laudêmio (uma taxa de 5% sobre o valor do imóvel quando comercializado) e o foro (taxa anual correspondente a 0,6% do valor da edificação).

Há ainda a taxa de ocupação, de 2% ou 5%, cobrada de quem ainda não firmou um contrato de aforamento, uma espécie de arrendamento, com a União.

Segundo o governo, a União arrecadou R$ 700 milhões ao longo de 2014 com os terrenos de marinha, e 83% dos proprietários pagam R$ 500 uma vez por ano, valor que pode ser dividido.

Ao longo dos anos, muitos imóveis particulares foram ocupando as áreas de marinha — o que daria ao governo o direito de cobrar pela ocupação. Há moradores, no entanto, questionando os cálculos, critérios e marcações do governo.

A Associação SOS Terrenos de Marinha, de Pernambuco, elaborou um documento, disponível na internet, para questionar as metodologias aplicadas pela SPU na marcação dos terrenos e no cálculo dos valores.

A associação alega, por exemplo, que muitos terrenos considerados de marinha pela medição feita em 1831 nem existem mais, pois foram invadidos pelo mar. Na visão da associação, a maioria dos terrenos considerados de marinha está hoje fora da faixa onde, legalmente, a cobrança poderia ser realizada.

Outros moradores se organizaram para tentar acabar com esse tipo de classificação — e assim pagar menos taxas. O argumento é que a faixa, que seria destinada à segurança nacional, hoje não faz sentido, já que em um possível confronto internacional os ataques mais recorrentes seriam os aéreos.

Legislação

A Lei 13.139/2015 trouxe uma série de regras que a União deve seguir sobre o parcelamento de terrenos de marinha. Segundo o governo, a lei visa desonerar o ocupante, diminuindo as taxas incidentes sobre esses terrenos, e estimular a formalização da ocupação.

Agora, para demarcar uma nova área, o governo deverá realizar uma série de audiências públicas e informar a população atingida. Há ainda regras sobre multas, redução de taxas e perdão de dívidas relacionadas à utilização desses terrenos.

A lei ainda estabelece que a taxa de ocupação passa a ser devida somente a partir da inscrição do terreno e que as benfeitorias serão excluídas dos cálculos — medidas que são antigas demandas dos ocupantes dessas áreas.

Outra norma sobre o assunto foi aprovada também no ano passado. A Lei 13.240/2015, com origem em medida provisória (MP 691/2015), autoriza e regulamenta a venda de parte dos imóveis da União, entre eles os terrenos de marinha.

A lei estabelece desconto de 25% sobre o valor de mercado no prazo de um ano para imóveis à venda listados em portaria do Ministério do Planejamento. Os já ocupados de boa-fé passam para o domínio pleno do comprador.

No caso dos imóveis sob aforamento, pela impossibilidade da transferência de propriedade, a consolidação do domínio pleno se dará por meio do pagamento de 17% do valor do terreno a título de remição do aforamento, sobre o qual incidirá também o desconto. As pessoas carentes ou de baixa renda serão dispensadas do pagamento pela remição.

Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Ricardo Ferraço apontaram avanços na legislação ao trazer mecanismo para que os moradores humildes de áreas de marinha não sejam sobretaxados.

Reajustes

De acordo com a assessoria de imprensa da SPU, as recentes alterações na lei beneficiaram quase 56 mil usuários de bens da União.

A SPU também destaca que houve diminuição nos percentuais das taxas. Na maioria dos casos (67,4%), ocorreu redução no valor cobrado em relação a 2015 ou o valor foi reajustado apenas com base na inflação.

A SPU ainda explica que as mudanças na lei trazem a possibilidade, indireta, de alienação plena do domínio desses imóveis — o que poderá beneficiar as pessoas que tenham registrado em cartório a propriedade de imóveis localizados em terrenos de marinha, permitindo sua regularização.

Além das alterações de iniciativa do governo, a União tem procurado, segundo a SPU, alternativas legais para preservar os direitos dos particulares que residem ou exercem atividade econômica nessas áreas, por exemplo, com a concessão de títulos, muitas vezes gratuitamente, de acordo com o perfil socioeconômico do cidadão e com as características de uso do imóvel.

Em tramitação

No Senado, há várias iniciativas relacionadas aos terrenos de marinha. O PLS 342/2015, do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), isenta da cobrança de certas taxas os imóveis arrendados da União em área urbana — o que inclui os terrenos de marinha. Encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Outro projeto (PLS 714/2015) em tramitação na CAE, de iniciativa do senador licenciado Marcelo Crivella (PRB-RJ), tira o valor das benfeitorias do cálculo do laudêmio, o que pode diminuir o valor das taxas pagas pelos moradores desses terrenos.

Duas propostas de emenda à Constituição tratam da possibilidade de venda dos terrenos de marinha. São elas a PEC 56/2009, de Crivella, e a PEC 50/2015, de Romero Jucá (PMDB-RR).

Outra proposta, a PEC 71/2013, de Ricardo Ferraço, deixa claro a exclusão das ilhas costeiras, sede de municípios, do rol de bens da União.

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