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Wander Medeiros

O que vem depois

24 outubro 2016 - 19h33

Lavar o chão, prender as cortinas, desencaixotar os pratos, posicionar os móveis da sala e de noite se entregar à fadiga do sono em um colchão sem forro. Enquanto isso, distante dali, sua velha cama de solteiro acompanha a aurora florescer naquele quarto que permanecerá arrumado durante as próximas semanas ou meses, ao menos até que a presença da sua ausência seja atenuada pelos almoços de domingo, as visitas rápidas no meio de semana, ligações na parte da tarde, comentários afetuosos na internet, e tudo isso que será bom também, mas jamais será como antes.

Escolher uma faculdade em que você nunca atuará na vida, casar, descasar e casar novamente, trocar de trabalho ou se aposentar. Tomamos essas atitudes quase sempre na melhor das intenções para conosco ou nosso próximo, grosso modo não se quer ferir ninguém, ainda assim, o fato é que quase sempre, senão sempre, o que vem depois é que são elas, não há escolha sem ônus, não há caminhos sem perdas, “o diabo sempre mora nos detalhes”.

E se é assim na nossa vida mais íntima, não haveria de ser diferente em nossa atuação coletiva, no plano das consequências das decisões e atitudes políticas que vivemos.

Quando participamos de um movimento social espontâneo e apartidário em sua gênese, caminhamos decisivamente para uma transformação de nossa sociedade, porém qual? É bem aí que vem a angústia, porque não há um ser vivente que considere o “retrocesso social” como seu objetivo, tampouco o de servir apenas para troca do comando executivo. O que se espera é por mais escolas preparadas para dar formação integral aos alunos, Universidades que desenvolvam a pesquisa e a extensão, hospitais que atendam quem deles necessitam na forma e tempo adequados, melhores condições de transporte de uma produção menos onerada por impostos e taxas, ou seja, o que se quer é o bem comum de todos.

No plano mais recente elegemos nossos prefeitos e vereadores, os primeiros agentes políticos com que temos contato no dia a dia, para cuidarem das luzes da rua, da coleta do lixo, da alfabetização das crianças, da distribuição do espaço público com parques preparados para o convívio cívico, ruas pavimentadas por asfalto e não por uma teia de buracos, saneamento básico, enfim, para servir a todos de maneira digna e sem distinção de grupos, classes ou condição econômica.

Nessa altura você poderá me dizer dileto leitor que “de boas intenções o inferno esta cheio”, e devo concordar com você que tem sido renitente nossa frustração entre expectativa e fatos, pois bem, tem sido sim até agora, receio porém, que desde 2013, não será mais.

No instante em que rompemos com a inércia de nossa sociedade, precipitando às ruas em busca de mudanças, ao meu singelo sentir, há nisto um ingrediente diferente de outras transformações pelas quais passamos enquanto sociedade, como dormir em uma rede sob a brisa do mar, o conforto de jamais sermos admoestados pelas consequências das nossas escolhas estilhaçou em definitivo, não cola mais.

Delegar um naco de nossas vidas e a condução dos rumos importantes da nossa existência coletiva para um “ser iluminado” que elegemos nas urnas deixou de ser uma opção válida e aceitável, agora que já demonstramos nossa irresignação com o “status quo” e agimos intencionalmente para modificá-lo, não dá mais pra passar indiferente ao que vem depois, para o bem ou para o mal, o depois tem a marca indelével da nossa digital.

Mas se caminhar para trás não é uma opção aceitável, nem mesmo para pegar impulso, à urgência da precipitação e da vigilância haverão de se somar uma série de outras atitudes: o respeito à diversidade de pensamento, o espaço para convivência ética, a generosidade com os bons propósitos, o estudo para formulação de novas e fundamentadas ideias, dentre outras coisas necessárias para mantermos tudo em pé enquanto reformamos casa e jardim.

Na minha pequena experiência pessoal e como professor, sempre enxerguei na sala de aula esse espaço para convivência pacífica entre as diferenças e o solo fértil para a proliferação de novas possibilidades, daí que houve uma oportunidade em que na porta da sala solicitei a um discente que ali não adentrasse até encontrar um jeito de se despir da condição de ostensivamente armado. Foi um imbróglio, mas tudo se resolveu com parcimônia e o jovem entrou armado apenas da palavra, dali em diante participando ativamente da aula e dos debates.

Quando me recordo daquele fato, vejo nisto um exemplo sobre como podemos evoluir neste novo tempo que se descortina à nossa frente. E também a constatação de que se quisermos nos ocupar do que verdadeiramente importa, se de fato pretendermos influir decisivamente não só nas escolhas, mas também sobre as consequências do que vem depois, quer dizer, protagonistas do contemporâneo, precisamos com urgência nos desarmar de máscaras e, todos juntos, repensarmos a sociedade e o futuro que pretendemos para nosso jardim e as sementes que plantamos.

Seguindo assim em comitiva nessa noite escura de um céu sem astros ou estrelas, marchando por um terreno movediço apenas com uma única certeza, de depois que você “vem pra rua”, descobre que não existe mais um “berço esplêndido” para onde retornar.

*O autor é Advogado, Professor da UEMS, Procurador de Entidades Públicas do MS [email protected]