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Política

55 anos do golpe militar: muito a lembrar, nada a comemorar!

30 março 2019 - 22h55Por Suzana Arakaki

1. Ditaduras no Brasil

Historicamente o Brasil viveu dois períodos conhecidos como ditadura: a ditadura civil do governo Vargas e a ditadura militar. Vargas ascendeu à presidência na década de 30 e permaneceu na presidência até 1945. Durante todo período em que permaneceu no poder, Vargas teve apoio militar e por ele foi deposto em outubro de 1945. O presidente do STF, José Linhares, ocupou a presidência provisória até a eleição do novo presidente, general Dutra.

Já a ditadura militar instaurada em 31 de março de 1964 contou com ostensiva atuação militar, segmento contrário ao presidente João Goulart mesmo antes de sua posse, em 1961. O parlamentarismo foi a forma política encontrada para impedir o governo direto do trabalhista. O historiador Caio Navarro de Toledo afirma que o governo de João Goulart nasceu sob o signo do golpe. Golpe consumado na deposição do presidente em março de 64, após convulsão social envolvendo diversos segmentos da sociedade, trabalhadores e militares de baixa patente entre eles.

Tropas se movimentaram em todo país e Brasília foi sitiada. Nada foi bastante o suficiente para impedir a sessão no Congresso Nacional que declarou vago o cargo de presidente e empossou Raineri Mazzili o novo presidente. Quem passou a governar, entretanto, foi o Comando Supremo da Revolução, formada pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército. Foi esse comando que promulgou o Ato Institucional 1, que cassava mandatos, suspendia direitos políticos e declarava estado de sítio. Nesse clima, o Congresso Nacional elegeu o general Humberto Castelo Branco presidente da República. Ao todo, foram 17 atos institucionais. O mais expressivo deles foi o AI 5 que cassou o mandato dos deputados estaduais mato-grossenses Américo Porphirio Nassif, Augusto Mario Vieira, João Chama, Luiz Thomas de Aquino e Sebastião Nunes da Cunha. Sem nenhum aviso prévio da cassação de seus mandatos, os deputados foram impedidos de adentrar a Assembleia Legislativa, em Cuiabá. Eram de diversos partidos, evidenciando conluio político entre os governos estadual e federal. Nenhum documento foi registrado nas atas da Assembleia, os atos foram publicados diretamente pelo governo militar.

A ditadura militar foi marcada pela perseguição, opressão e forte vigilância sobre toda sociedade. Parte da sociedade aliou-se ao governo militar que tinha no combate ao comunismo, sua principal missão.

2. Ditadura no sul de Mato Grosso

A ditadura militar teve, no sul do estado de Mato Grosso, amplo apoio civil. Uma delas, a Ação democrática mato-grossense - ADEMAT. Essa associação era formada, na sua grande maioria, por proprietários rurais, mas agregava também comerciantes, profissionais liberais e pessoas simpatizantes da causa democrática, lembrando que a luta era contra o comunismo. Embora existisse na parte norte, a ADEMAT da parte sul era a mais violenta. Foram deles a maioria das ações de perseguições e prisões ocorridas logo após o golpe e que atingiram trabalhadores na sua maioria. A perseguição aos trabalhadores foi narrada pelo historiador e jornalista Eronildo Barbosa da Silva no livro “Sindicalismo no Sul de Mato Grosso (1920-1980)”.

Pessoas eram denunciadas e presas. Os integrantes atuavam, segundo depoimento de ex-integrantes, em conjunto com militares. Sobre a ADEMAT no sul do estado, o ex-deputado Milton Figueiredo, da UDN disse:
[...] uma coisa que se chamava Ademat. Então nós lutávamos desesperadamente para que ela não se formasse aqui (Cuiabá), pois parecia um órgão fascista, um órgão de repressão. Eles tentaram montar aqui e não conseguiram.

Também o ex-deputado petebista Pedro Paulo de Souza denunciaria a ADEMAT de forma inusitada: através de poesia.

ADEMAT tornou-se
Um órgão coordenador
Agarrava os comunistas
Com muito ódio e rancor
Tudo era esmagado
Pelo rolo compressor

Como nos demais estados brasileiros, as primeiras vítimas foram os filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, tido como um partido subversivo, comandado por João Goulart. Políticos eleitos foram depostos de seus cargos, muitos foram presos. Deputados, prefeitos e vereadores sofreram forte perseguição.

Em Campo Grande, a principal cidade da porção sul, sindicatos sofreram intervenção e seus dirigentes foram presos. Como nas demais cidades do estado, políticos foram presos. Notória foi a ação da ADEMAT contra o jornal O DEMOCRATA, cuja redação foi completamente destruída

Foi em Campo Grande que se deu a prisão do estudante ponta-poranense Ricardo Brandão. Brandão era estudante na cidade do Rio de Janeiro e havia retornado ao Mato Grosso após o golpe, fugindo da perseguição perpetrada contra estudantes.

Após a prisão, Brandão foi enviado ao Rio de Janeiro. Farta documentação militar localizada nos arquivos cariocas, indicam a prisão e passagem pela Marinha e Aeronáutica. O caso Brandão demonstra como as forças de repressão trabalhavam em conjunto no combate ao que denominavam “perigo comunista”

Nestes mesmos arquivos foram encontrados documentos que evidenciam forte vigilância sobre trabalhadores, sobretudo no setor bancário. Um relatório produzido pelo Banco do Brasil de Ponta Porã aponta possível participação de funcionários do banco em prováveis ações subversivas. Um desses funcionários foi Jonas Capilé, vereador petebista cassado pela Câmara de Vereadores de Ponta Porã. Essa mesma Câmara cassou também o mandato do prefeito José Issa.

Na cidade de Dourados, mesmo sendo do PTB, o prefeito Napoleão Francisco de Souza foi mantido no cargo. Ex combatente da FEB, o prefeito petebista teve apoio do Exército e manteve-se no cargo até o final do mandato. Já os vereadores petebistas Gumercindo Bianchi e Janary Carneiro Santiago foram sumariamente cassados pela Câmara de Vereadores de Dourados.

Em várias cidades do sul de Mato Grosso houve perseguições e prisões. Na cidade portuária de Corumbá, com a lotação das prisões, os denunciados foram confinados no navio prisão, caso do vereador Waldemar Dias de Rosa. Em entrevista a esta pesquisadora, o ex-vereador negou qualquer tortura, mas são correntes os relatos de maus-tratos no navio, principalmente pelas pessoas mais simples. Professores foram vigiados dentro da sala de aula, pessoas eram denunciadas por qualquer motivo...

Vários são os casos ocorridos de perseguição e prisão em todo estado. Não há o que comemorar. O papel do historiador é escrever a história a partir de fontes. Jornais, entrevistas, livros de memória, documentos oficiais como os das Forças Armadas, milagrosamente preservadas, considerando a verdadeira queima de arquivos iniciada logo após a eleição de Lula, o sindicalista que chegou a poder pelo voto, são instrumento de pesquisa histórica que permitem ao historiador reconstituir a história. É isso que fazemos sobre a ditadura militar. A História não anistia ninguém, não admite esquecimento e, por isso, ela permite ao leitor conhecer o que, de fato, ocorreu. E quem ler e conhecer a história da ditadura, seja ela a civil de Vargas ou a militar, não comemora...

* A autora é Doutora em História e Professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, autora do livro 'DOURADOS: memórias e representações de 1964 (2008)' e da tese 'AS IMPLICAÇÕES DO GOLPE CIVIL MILITAR NO SUL DE MATO GROSSO: apoio civil, autoritarismo e repressão (2015)'.

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