O depoimento do empreiteiro Marcelo Odebrecht no processo que julga a legalidade da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é a maior dificuldade que o presidente Michel Temer enfrenta até agora para permanecer no cargo até o final de seu mandato.
Ao longo de quatro horas, Marcelo confirmou boa parte das denúncias que constavam da delação premiada do executivo Cláudio Mello Filho da Operação Lava Jato e foi além. Segundo os relatos, ele afirmou que quatro quintos dos R$ 150 milhões destinados à campanha de 2014 foram doados por meio de caixa dois.
Marcelo disse ainda que R$ 50 milhões desse total foram contrapartida pela aprovação de uma medida provisória que beneficiava a petroquímica Braskem, sociedade da Odebrecht com a Petrobras. Confirmou o encontro com Temer no Palácio do Jaburu narrado na delação, embora tenha afirmado não ter falado em valores – discutidos, segundo ele, entre Mello Filho e o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.
Pelo relato de Mello Filho, o encontro serviu para acertar os termos de uma doação de US$ 10 milhões ao PMDB. Desse total, US$ 6 milhões estariam destinados à campanha para governador de Paulo Skaf, presidente da FIesp e amigo de Marcelo. Outros R$ 4 milhões seriam entregues a Padilha por meio de José Yunes, amigo de Temer e, até dezembro, assessor especial da Presidência.
Em depoimento ao Ministério Público na semana passada, Yunes disse ter recebido em seu escritório, a pedido de Padilha, um pacote do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, ligado a Eduardo Cunha. Comparou-se a uma "mula". A entrega também foi confirmada por Funaro em sua delação. O próprio Cunha incluíra uma pergunta sobre ela no questionário encaminhado a Temer, convocado como sua testemunha de defesa na Lava Jato. O juiz Sérgio Moro considerou a pergunta inadequada.
Temer nega ter recebido dinheiro ilegal na campanha de 2014. Afirma que os R$ 11,3 milhões doados pela Odebrecht estão registrados nas contas de campanha. Sua estratégia agora é tentar protelar ao máximo o julgamento no TSE, convocando testemunhas para desmentir os depoimentos, pedindo anulação das informações oriundas de delações vazadas ilegalmente e lançando mão de todo tipo de recurso jurídico imaginável.
O mandato do relator do processo no TSE, ministro Herman Benjamin, termina em outubro. Dois outros ministros também sairão do tribunal em abril e maio. A defesa conta com as defecções como parte de sua estratégia protelatória. Mas Benjamin afirmou que pretende levar o processo a julgamento ainda este ano.
Será difícil para Temer desmentir uma narrativa tão bem amarrada, confirmada por Marcelo, Mello Filho, Yunes, Cunha e Funaro. Qualquer explicação soará artificial. O que mais poderia haver num pacote recebido de um doleiro, a não ser dinheiro em espécie? Tentar adiar o julgamento é uma estratégia incerta. O andamento dos trabalhos está a cargo de Benjamin, que ouvirá entre hoje e segunda-feira outros quatro ex-executivos da Odebrecht. O mais razoável, para a defesa, é tentar limitar os danos.
Qual deveria ser a punição para caixa dois, se quase dois terços do mandato já terão passado quando sair sentença? Temer deveria perder o mandato? Ou apenas devolver o dinheiro e pagar multa? Se a corrupção é julgada em outro processo, na Lava Jato, isso é uma atenuante ou agravante? Qual a punição mais justa? Eis as questões que a Justiça terá de resolver cedo ou tarde.
É pouco provável que, diante das novas revelações, o ministro Padilha volte para o cargo da licença médica que tirou para uma cirurgia na próstata. Polliticamente, Temer precisa manter uma distância segura de tudo aquilo que possa ter efeito negativo sobre sua agenda de reformas. Como escrevi, a saúde de seu governo não é das melhores. Seu desafio mais urgente não está apenas na Lava Jato, mas no efeito colateral dela no julgamento do TSE.
Helio Gurovitz é formado em Jornalismo e Ciências da Computação pela Universidade de São Paulo, com pós graduação pela Universidade de Westminster, em Londres.